O Estado de S. Paulo

Agora um trio, The Baggios assume temas mais espinhosos

Enquanto prepara o quarto disco da carreira, banda sergipana indicada para o Grammy Latino lança o EP ‘Juliana’

- Pedro Antunes

Por nove anos, Julio Andrade guardou a dor para si. Ela escapulia, é claro. Saía extravasad­a, incontrolá­vel, como um carro desgoverna­do em uma estrada estreita demais. Ao longo dos discos da The Baggios, banda de Sergipe com três álbuns de estúdio e um ao vivo, a memória daquele ocorrido brutal se aproximava cada vez mais da mão e da ponta da caneta no papel diante do compositor do grupo. Em Brutown,o mais recente trabalho de estúdio, lançado em 2016 e indicado para o Grammy Latino de disco de rock, a fúria tinha força demais para ser engolida de volta. O título do disco trazia, como referência, a brutalidad­e testemunha­da pelo vocalista. A canção que detalha o caso de violência mais agudo vivido por Andrade, contudo, ficou fora daquela safra.

Mas encabeça, dois anos depois, o EP Juliana, liberado nas plataforma­s de música por streaming na semana passada. O trabalho apresenta três faixas inéditas, criadas nas sessões de Brutown, inclusive a faixa-título, a canção mais pessoal e íntima produzida por Andrade, um compositor acostumado a usar sua perspectiv­a com relação à cidade de São Cristóvão, onde nasceu e cresceu, localizada nas proximidad­e de Aracaju, a morada atual do músico, para refletir sobre o estado do mundo. Brutown questionav­a o entorno, o que via. Deixava, quase imaculada, uma porção do que ele sentia.

As músicas Era e Nó Cego abrem e fecham o EP, com o peso dilacerant­e do som que emaranha a guitarra de Andrade, a bateria de Gabriel Carvalho e Rafael Ramos, responsáve­l pelos teclados e baixo, agora oficializa­do como o “terceiro elemento” da Baggios. “São canções com uma conexão forte com o Brutown”, explica Andrade, “ao mesmo tempo que Nó Cego quando ela diz ‘vou subir a serra e viver mais para mim’.” O próximo disco da Baggios deve chegar ainda em 2018.

Juliana, a música escolhida como a segunda do EP, é sobre a violência em estado extremo, bruto. Assustador­a e aterradora. Era o nome da irmã de Andrade, vítima de feminicídi­o, nove anos atrás. Na noite de 29 de junho de 2009, uma segunda-feira, o exmarido dela, separado há quase três meses, disparou contra Juliana, ex-sogra e ele próprio. Julio estava em casa, mas não se feriu. O assassino, levado ao hospital, morreu. A mãe se recuperou. Juliana não resistiu. “Não pôde nem sonhar / Não pôde ser feliz / Tentou até lutar / Havia um infeliz / Maldito infeliz”, abre a canção. Chega a arrepiar. O refrão martela o lamento, em repetição: “Tanto tempo sem você”. Por fim, Andrade suspira. Chama a irmã pelo apelido, “Nana”, e encerra com seu nome, “Juliana”. Fim.

“Fiz essa música para o Sina (o segundo disco, de 2013), mas não estava preparado para ela ainda. Era difícil reviver”, explica o músico. “Com o tempo, fui entendendo mais a perda e mais a vontade de falar sobre o tema. O trauma vai diminuindo, né? A cicatriz fica, mas as feridas se tornam menos inflamadas.”

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JESSICA DIAS Com eles. Rafael Ramos (E) se junta oficialmen­te a Julio Andrade e a Gabriel Carvalho

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