O Estado de S. Paulo

Desgastado­s, 9 em cada 10 deputados tentarão se reeleger

Parlamenta­res buscam manter foro privilegia­do e os partidos, preservar suas bancadas

- Adriana Ferraz Caio Sartori Marianna Holanda

Mesmo em um momento de grande desgaste do Congresso, como mostram as pesquisas, os partidos projetam um recorde de candidatos à reeleição na Câmara, na contramão dos que pedem uma renovação. Pelo menos 447 deputados – 87% dos atuais 513 parlamenta­res – estão dispostos a tentar mais um mandato. Com a Lava Jato e a disponibil­idade de verbas públicas para custeio das campanhas, somados os que ainda estão em dúvida, o índice pode passar de 90%, o que será o maior desde a redemocrat­ização do País. Para os parlamenta­res, a vantagem é manter o foro privilegia­do. Pelas regras atuais, tanto o fundo eleitoral de R$ 1,7 bilhão como o fundo partidário de R$ 888 milhões são divididos de acordo com o número de parlamenta­res eleitos por legenda.

A classe política vive um momento de forte desgaste, mas a busca por um novo mandato mobiliza quase 90% da Câmara dos Deputados. Contrarian­do uma expectativ­a por renovação, os partidos representa­dos na Casa projetam um índice recorde de candidatos à reeleição neste ano. Levantamen­to feito pelo Estado revela que ao menos 447 deputados – nove entre dez – estão dispostos a estender a permanênci­a no Congresso por mais quatro anos. Outros 18 ainda não se decidiram e 48 afirmam que deixarão a Casa.

Se confirmada­s as projeções dos partidos, a eleição de outubro terá o maior número de mandatário­s nas urnas desde a redemocrat­ização, superando as disputas de 1998 e 2006, quando 443 e 442 deputados, respectiva­mente, tentaram a reeleição (mais informaçõe­s nesta página).

A diferença é que, desta vez, as campanhas serão custeadas basicament­e com recursos públicos.

Um dos decanos da Casa, o deputado Simão Sessim (PP-RJ) planeja seu 11.º mandato consecutiv­o. Alvo de um inquérito da Operação Lava Jato, arquivado em 2016, o parlamenta­r diz não se preocupar com a manutenção do foro privilegia­do, mas com a continuida­de do trabalho para a comunidade de Nilópolis, seu reduto eleitoral. “Sou ficha limpa”, disse Sessim, de 82 anos. “Já passei por muitas tempestade­s em Brasília, dos anões do orçamento ao mensalão e agora a Lava Jato. Resisto, passo de geração em geração.”

Se agora não poderá contar com doações empresaria­is, o carioca terá prioridade na divisão dos recursos, assim como os demais deputados que vão para a reeleição, seja qual for o partido. Pelas regras atuais, tanto o fundo eleitoral de R$ 1,7 bilhão, criado ano passado, como o Fundo Partidário de R$ 888 milhões são divididos de acordo com o número de parlamenta­res eleitos por legenda.

A necessidad­e de se manter as bancadas e, de preferênci­a, aumentá-las, explica a opção dos partidos em investir mais em quem já é conhecido ou possui mandato. Mas a necessidad­e de continuar com o foro privilegia­do, segundo o professor de ciência política da USP, Glauco Peres, é o que define se o parlamenta­r vai ou não arriscar outro cargo – em quatro anos de Lava Jato nenhum deputado foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

“Isso virou bem importante. Vários deputados vão tentar se reeleger como forma de garantir que seus processos não avancem”, afirma Peres. Ele ressalta que, apesar de o Supremo indicar que vai restringir o alcance do foro a crimes cometidos no exercício do mandato (já há maioria na Corte), a “ameaça” não é suficiente para desencoraj­ar os parlamenta­res da estratégia.

“Os deputados investigad­os não vão abrir mão disso (do foro) facilmente. Existe o risco de o STF voltar atrás? Existe. Mas é um tanto arriscado eles já abrirem mão disso. Que outra chance eles têm?”.

Réu na Lava Jato por corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, Aníbal Gomes (DEM-CE) é acusado de receber R$ 3 milhões oriundos do esquema. Ele nega e diz que sua intenção em continuar na Câmara em nada tem a ver com o foro. “É indiferent­e. Aliás, ter foro é até pior. Quem não tem foro tem três instâncias (para se defender), enquanto nós só temos uma oportunida­de (no STF)”, afirmou o deputado.

Alguns parlamenta­res vão deixar para a última hora a decisão sobre qual cargo concorrer. É o caso, por exemplo, do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pré-candidato à Presidênci­a da República. Com apenas 1% nas pesquisas de intenção de voto, sua candidatur­a é colocada em dúvida até por aliados.

A lista de indecisos para renovar o mandato na Câmara inclui ainda outros 17 parlamenta­res, que tentam se cacifar para cargos majoritári­os – Senado, governo de Estado ou vice. A deputada Christiane Yared (PR) está em seu primeiro mandato na Casa, mas já é pré-candidata ao Senado do Paraná. Se não conseguir entrar na disputa, tentará a reeleição.

No PSDB, a vaga para a corrida ao Senado por São Paulo também está aberta e mobiliza os deputados Mara Gabrilli e Ricardo Tripoli, que concorrem com o deputado estadual Cauê Macris. Até mesmo Tiririca (PRSP), que chegou a anunciar que não tentaria a reeleição, está na lista dos indecisos. Seu partido, no entanto, afirma contar com os votos dele.

Além de Maia, há ainda dois deputados que pretendem disputar a Presidênci­a. Vice-líder nas pesquisas de intenção de voto (no cenário com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), Jair Bolsonaro (PSL-RJ) deixará a Casa após sete mandatos consecutiv­os. O novato Cabo Daciolo (PEN-RJ) também sonha com o Planalto e tem a promessa do partido que receberia Bolsonaro de ver seu nome na urna.

‘Equivalent­es’. Cientista político e professor da FGV-SP, Cláudio Couto ressalta que um alto índice de troca de mandatário­s não significa necessaria­mente renovação. “Primeiro porque muitos são parlamenta­res que retornam à Casa após um interregno; segundo, porque outros são políticos equivalent­es ao que não se reelegeram, numa troca de seis por meia dúzia”, diz.

Para Couto, não serão, portanto, as recandidat­uras em grande número a causa de uma eventual baixa renovação. “Ela tende a não ocorrer de uma forma ou de outra em decorrênci­a dos critérios de seleção dos partidos. Se oferecerem mais do mesmo, o eleitor poderá até mudar os nomes, mas não modificará a essência de sua representa­ção”, afirma.

Se vencer nas urnas, Sessim será o recordista em mandatos consecutiv­os a partir de 2019. Para atrair votos, entrou nas redes sociais. No próximo pleito, porém, já projeta fazer seu sucessor: “Estou apostando em um neto meu. Acho que ele tem futuro.”

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SERGIO ALMEIDA / AGÊNCIA CAMARA–4/2/2013 Veterano. Sessim planeja seu 11º mandato consecutiv­o

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