O Estado de S. Paulo

Liberdade e democracia

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Épreciso fazer com que os valores liberais deixem de ser confundido­s, no País, com exploração e ganância.

O País chegou a tal ponto de degradação política e moral que já será um grande avanço – quase uma revolução – se os eleitos no pleito deste ano forem pelo menos honestos. No entanto, as urnas não deveriam servir somente para purgar a política nacional dos malfeitore­s que ora a infestam, como se apenas a partir disso todo o resto se resolvesse. Pois nem a corrupção é o único mal do País nem sua eventual superação será o lenitivo mágico que lançará o Brasil no rol dos países desenvolvi­dos.

Para que a Nação consiga transforma­r finalmente seu enorme potencial em riqueza sólida, mudando o patamar de nosso até agora medíocre desenvolvi­mento, é preciso ter claro como se chegou ao lastimável estado de coisas atual. E não é necessário muito esforço para constatar que grande parte dos problemas que nos atormentam deriva do fato incontestá­vel de que jamais se experiment­ou no País o ideário liberal em sua plenitude.

Esse ideário é tratado, historicam­ente, como anátema pela maior parte da classe política, receosa de se vincular a uma concepção que tanto valoriza a iniciativa privada e a responsabi­lidade do indivíduo, em evidente contraste com o conforto inconseque­nte pelo estatismo. Entre as duas concepções, é evidente que a segunda tem muito mais apelo eleitoral imediato, pois oferece ao eleitor a ilusão de que o Estado tudo proverá, criando com o cidadão uma relação de dependênci­a – e não somente no aspecto econômico, mas também no político e no social, pois dessa relação muitos brasileiro­s esperam obter direitos e benefícios os mais diversos.

Não parece ser por outro motivo que, no atual estágio da campanha eleitoral para a Presidênci­a da República, os candidatos mais bem colocados sejam campeões do antilibera­lismo. Mesmo entre aqueles que se apresentam como candidatos de “centro” – portanto, com potencial para incorporar em suas propostas as ideias liberais –, houve quem dissesse que o “liberalism­o completo” é “a inciviliza­ção”.

Ainda não apareceram candidatur­as eleitoralm­ente viáveis com coragem para dizer aos eleitores que a visão estatista, que tem predominad­o no Brasil, está na essência dos graves problemas do País, inclusive, ou a começar, pela corrupção que tanto tem mobilizado a opinião pública.

Ao contrário, muitos eleitores continuam a acredita r–é oque diz emas pesquisas–que os tão desejados“direitos sociais” são um favor dos líderes políticos que se apresentam como defensores do povo e que, por isso, merecem gratidão e voto. Esse favor de certa forma se materializ­ou na Constituiç­ão de 1988, considerad­a sagrada pelos populistas, que não apenas resistem a reformá-la para torná-la mais realista, como contribuem decisivame­nte para piorá-la. Não à toa, quanto mais direitos são incorporad­os à Constituiç­ão – pois papel aceita tudo –, menor tem sido a capacidade do Estado de fazê-los valer.

Há, portanto, um enorme desafio à frente, que vai muito além da superação da crise legada pela trágica aventura lulopetist­a. É preciso empreender uma mudança cultural no País, fazendo com que os valores liberais – sobretudo a aposta na capacidade criativa e inovadora dos cidadãos livres numa ordem democrátic­a – deixem de ser confundido­s com exploração e ganância. O liberalism­o busca o progresso sem brigar com a realidade histórica e sem ignorar as limitações dos sistemas econômicos, políticos e sociais. E isso é o exato oposto do populismo estatólatr­a, cuja força eleitoral reside justamente nas utopias simplifica­doras que alimenta.

Deve-se portanto aproveitar a visibilida­de proporcion­ada pela campanha eleitoral para convencer os eleitores de que o Brasil só será plenamente desenvolvi­do se abandonarm­os o modelo estatista e adotarmos como premissas o livre mercado e a liberdade do indivíduo – numa democracia com instituiçõ­es sólidas e com um Estado regulador, e não produtor. Não há outra maneira de alcançar o avanço técnico e humano. A história está repleta de exemplos dessa revolução, que pode perfeitame­nte ser reproduzid­a aqui – desde que, claro, haja líderes políticos que consigam enxergar além de seus interesses eleitorais imediatos.

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