O Estado de S. Paulo

Votos como juiz revelam pensamento de Barbosa

Avesso a entrevista­s, ex-ministro e possível presidenci­ável já se manifestou sobre temas complexos na economia, segurança e políticas sociais

- Breno Pires / O QUE O EX-MINISTRO JÁ DISSE

Se o político Joaquim Barbosa ainda evita comentar temas que deverão ser discutidos na campanha à Presidênci­a da República, o jurista, em seus 11 anos no Supremo Tribunal Federal, defendeu prisão após condenação em segunda instância e políticas públicas para redução da desigualda­de. Barbosa também criticou por vezes “privilégio­s” no serviço público e proferiu, em julgamento­s, que era dever do Estado o bem-estar social, previsto na Constituiç­ão.

Enquanto ensaia uma précandida­tura à Presidênci­a, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa (PSB) evita comentar temas que deverão ser discutidos na campanha. Se o neófito na política pouco fala, o jurista, que ficou 11 anos na Corte, já se posicionou sobre temas complexos. Defendeu a prisão após condenação em segunda instância e políticas públicas para redução da desigualda­de, criticou “privilégio­s” no serviço público e proferiu, em julgamento­s, que era dever do Estado promover o bem-estar social, previsto na Constituiç­ão.

O Estado analisou os votos e discursos de Barbosa desde a sabatina no Senado, em maio de 2003, até a sua aposentado­ria, em junho de 2014 – o que permite entender um pouco mais sobre a visão do potencial presidenci­ável em relação à economia, segurança, política e questões sociais. Eles sinalizam que o combate à desigualda­de pode vir a ser um eventual mote de campanha do ex-ministro, que flerta com o liberalism­o econômico em parte de suas decisões sem esquecer das políticas de inclusão social.

“Todas as vezes em que o Estado constatar que, em um determinad­o setor, há um problema grave de sub-representa­ção de grupos minoritári­os – negros, outras minorias, mulheres –, esse dado estatístic­o deve ser levado em conta para a tomada de decisões, tendentes a solver, a corrigir essa anomalia”, afirmou o ex-ministro em sua sabatina no Senado.

Os aspectos econômicos das decisões de Barbosa no STF mostram uma tendência mais liberal de pensamento. Em temas como privatizaç­ões e aposentado­ria, o ex-ministro adotou posições “pró-mercado”. Foi decisivo na discussão sobre a constituci­onalidade da quebra do monopólio estatal do petróleo. Em seu voto, defendeu que a propriedad­e do petróleo pela União não deveria ser confundida com monopólio da exploração.

No julgamento mais importante em relação à Previdênci­a no período em que esteve no Supremo, deu o voto condutor da decisão que declarou constituci­onal a reforma feita no início do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que

Todas as vezes em que o Estado constatar que há problema grave de sub-representa­ção de grupos minoritári­os – negros, mulheres –, esse dado estatístic­o deve ser levado em conta para a tomada de decisões, tendentes a corrigir essa anomalia.”

implemento­u a cobrança previdenci­ária dos servidores aposentado­s. Afirmou, na ocasião, que “a solidaried­ade deve primar sobre o egoísmo”.

Nesse mesmo julgamento, pontuou que a Constituiç­ão de 1988 tem como uma das suas metas fundamenta­is operar profundas transforma­ções em nosso quadro social. Ao longo dos 11 anos de Supremo, foram recorrente­s as menções ao tema da desigualda­de no Brasil.

Ao assumir a presidênci­a da Corte, em novembro de 2012, disse que “o mais sagrado” dentre os direitos do cidadão é “o direito de ser tratado de forma igual”. Posicionou-se a favor de políticas públicas que acredita estarem no caminho da redução da desigualda­de, como as

Se o Estado utiliza os mecanismos orçamentár­ios para incentivar instituiçõ­es públicas, e até mesmo instituiçõ­es privadas, a tomarem iniciativa­s de integrar as pessoas marginaliz­adas, isso não é cota. E está atendido o objetivo.”

cotas e a Lei do ProUni.

A política de cotas é um bom exemplo da dicotomia entre liberdade de mercado e o papel do Estado. Barbosa afirmou, na sabatina no Senado, que elas fogem ao princípio da igualdade, mas que nos casos de desigualda­de extrema “o Estado deve, sim, tomar medidas corretivas que solucionem o problema imediatame­nte, e não postergar o problema e aguardar que as soluções de mercado venham a solucioná-lo.”

“Se o Estado utiliza os mecanismos orçamentár­ios para incentivar instituiçõ­es públicas, e até mesmo instituiçõ­es privadas a tomarem iniciativa­s de integrar as pessoas marginaliz­adas, isso não é cota. E está atendido o objetivo”, disse.

Não faz sentido isentar de contribuiç­ão previdenci­ária solidária as milhares de pessoas que se aproveitar­am de um sistema de normas frouxas e excessivam­ente generosas que permitiram a jubilação precoce de pessoas no ápice da capacidade produtiva.”

Em relação à reforma política, como presidente do Supremo, pautou em 2013 e votou a favor das ações que questionav­am as doações eleitorais feitas por empresas, posição que prevaleceu na conclusão do julgamento, em 2015. Também votou a favor da Lei da Ficha Limpa.

Costumes. Defensor das liberdades individuai­s em relação a costumes, teve a iniciativa de submeter ao plenário do STF a primeira ação em que se discutia o aborto de fetos anencefáli­cos e apresentou premissas que influencia­ram a Corte a decidir que grávidas têm o direito de adotar este procedimen­to.

Por outro lado, votou pela constituci­onalidade do Estatuto do Desarmamen­to em 2007.

Se o negro ou a mulher não chegaram em determinad­as posições é porque há “barreiras invisíveis” que cairão naturalmen­te. Daqui a pouco, ninguém mais prestará atenção quando se promover a nomeação de um negro para uma posição importante.”

As exceções foram nos pontos que proibiam fiança em caso de porte ilegal de arma e disparo de arma de fogo, e o trecho que negava liberdade provisória aos acusados de posse ou porte ilegal de arma de uso restrito, comércio ilegal e tráfico internacio­nal de arma.

Foi a favor do direito de greve para servidores públicos, mas divergiu da maioria, que espelhou as regras aplicadas ao setor privado. Para ele, cabia ao Congresso aprovar lei para resolver a lacuna.

No pós-Supremo, Barbosa deu poucas entrevista­s. Em um evento na Corte, em junho de 2017, disse que o País passava por “momento tempestuos­o” na política, “em que visivelmen­te os dois Poderes que representa­m a soberania

O País passa por um momento tempestuos­o na política, em que visivelmen­te os dois Poderes que representa­m a soberania popular (Executivo e Legislativ­o), nossos representa­ntes eleitos, não cumprem bem a sua missão constituci­onal.”

popular, nossos representa­ntes eleitos” não cumpriam “bem a sua missão constituci­onal”.

Expôs na rede social Twitter ser contrário à adoção do Parlamenta­rismo como sistema de governo, criticou o impeachmen­t de Dilma Rousseff e chegou a defender a renúncia de Michel Temer. Parou de usar a rede social em julho de 2017, a partir de quando passou a estudar mais a fundo a possibilid­ade de se lançar à Presidênci­a.

No dia em que tomou posse no Supremo, Barbosa disse que o juiz não deve ter “adesão cega a todo e qualquer clamor da comunidade a que serve”. Mas disse que os valores da sociedade devem ser considerad­os. “Noutras palavras, o juiz é um produto do seu meio e do seu tempo.”

 ?? ANDRE DUSEK / ESTADÃO – 1/7/2014 ??
ANDRE DUSEK / ESTADÃO – 1/7/2014

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil