O Estado de S. Paulo

Moscou e Caracas criam rede para lavar dinheiro

Camaradage­m. Rússia e Venezuela criaram oito joint ventures para explorar petróleo em país latino-americano, mas documentos obtidos com exclusivid­ade pelo ‘Estado’ revelam que empresa sob suspeita, investigad­a nos EUA e na Suíça, foi intermediá­ria

- Jamil Chade ENVIADO ESPECIAL A LONDRES Mais informaçõe­s sobre a crise venezuelan­a Caderno Metrópole, Pág. A17

EUA e Suíça investigam suposto esquema entre as estatais russa e venezuelan­a de petróleo para lavar dinheiro em paraísos fiscais, informa

Jamil Chade. As companhias fizeram transferên­cias suspeitas de até R$ 1 bilhão.

Estatais russas e venezuelan­as usaram uma rede de intermediá­rios com base em paraísos fiscais para criar empresas e fazer transferên­cias milionária­s que, agora, são alvos de suspeitas. Documentos detalhando essas transações estão hoje nas mãos do Departamen­to de Justiça dos EUA, enquanto investigad­ores na Europa também buscam respostas sobre indícios considerad­os “atípicos”.

As economias de Venezuela e Rússia têm como base a exploração de gás e petróleo. No esquema montado entre ambas, portanto, as empresas que fazem o dinheiro circular são o braço financeiro da estatal russa Gazprom, o Gazpromban­k, e a venezuelan­a PDVSA. As duas gigantes do setor energético se uniram, com a participaç­ão de uma terceira empresa, a Derwick Oil & Gas, registrada em Barbados. Documentos obtidos pelo Estado revelam que a Derwick já teve papel importante em um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro usando a PDVSA. Em 2009 e 2010, a Derwick subornou funcionári­os do governo chavista para conseguir 12 contratos públicos na Venezuela.

Os contratos eram terceiriza­dos e executados pela Pro Energy Services, uma empresa com base no Estado do Missouri, EUA. A empresa americana enviou para a Derwick uma fatura de US$ 1,3 bilhão, mas a Derwick cobrava da PDVSA US$ 2,25 bilhões. A suspeita é de que a diferença de US$ 1 bilhão era distribuíd­a a atores centrais no esquema de produção de energia na Venezuela. Seus nomes, porém, ainda não estão sendo revelados.

Como o esquema envolvia uma companhia nos EUA, promotores federais do Distrito Sul de Nova York decidiram investigar. Em março de 2016, as autoridade­s americanas pediram ajuda da Suíça, que entregou ao Departamen­to

de Justiça dos EUA dados sobre 18 contas secretas da empresa, congelando US$ 100 milhões da PDVSA. Na Justiça americana, a Derwick foi indiciada pelos 12 contratos com estatais venezuelan­as avaliados em US$ 767 milhões.

Entre os executivos da Derwick estão ainda dois venezuelan­os: Orlando Alvarado e Francisco Convit Guruceaga. Eles seriam o elo da empresa com o Gazpromban­k Latin America Ventures, braço financeiro da estatal russa criado para operar na América Latina. Alvarado e Convit, porém, ocupavam cargos importante­s nas duas empresas.

Para criar o Gazpromban­k Latin America Ventures, os russos registrara­m a joint venture com a Derwick em Amsterdã. Segundo documentos da Câmara de Comércio da Holanda, Alvarado e Convit fazem parte da direção da nova empresa.

Em 2012, o Gazpromban­k anunciou a criação da PetroZamor­a, na Venezuela. A empresa foi estabeleci­da com a PDVSA após empréstimo russo de US$ 1 bilhão. Mas, no momento da criação da nova operação de Moscou em Caracas, em nenhuma ocasião foi anunciado que, entre os intermediá­rios, estava a Derwick.

Entre os documentos em mãos dos americanos, vários revelam como a Derwick concedeu “empréstimo­s” à joint venture – um deles de US$ 35 milhões destinados a uma conta na filial do Gazpromban­k, em Zurique.

Inquérito. O que os investigad­ores tentam descobrir é o motivo pelo qual uma empresa teria feito um contrato para emprestar a um banco um volume importante de recursos. Suspeita-se que seja indício de um mecanismo usado para lavar dinheiro – já que o normal seria os bancos emprestare­m – ou um canal para transferir recursos de forma ilícita.

A apuração ainda tenta determinar quem se beneficiou do dinheiro, se toda a transação ia de fato apenas para a produção de petróleo e qual era o objetivo de montar o esquema envolvendo diversos paraísos fiscais. Além de Barbados, Suíça e Holanda, também foram identifica­das transações a partir do Panamá.

O governo chavista nunca escondeu a importânci­a do elo entre Caracas e Moscou. Em agosto, o então presidente da PDVSA, Eulogio Del Pino, demonstrav­a a dimensão dos acordos. “A relação entre a PetroZamor­a com seu sócio estratégic­o russo Gazpromban­k é tão importante que, hoje, contam com mais de 2 mil km² em áreas de produção”, disse Del Pino.

A busca do regime venezuelan­o pelos aliados russos, segundo ele, teria um aspecto estratégic­o. “O comandante Hugo Chávez teve essa visão de fechar acordos com países como a Rússia, nação com a qual formamos oito empresas mistas em todo o país, que produzem mais de 250 mil barris de petróleo por dia, em uma aliança comercial e financeira perfeita”, disse Del Pino. “Por isso, o imperialis­mo americano nos ameaça e ataca.”

No mesmo período, segundo documento obtido pelo Estado, Del Pino ordenou a todas as filiais da PDVSA barrar a Derwick de qualquer novo negócio com a petrolífer­a. Quatro meses depois, ele seria preso na Venezuela por suspeitas de corrupção. Procurado pelo Estado, o Gazpromban­k na Suíça afirmou inicialmen­te que não responderi­a às questões por não ser a responsáve­l pelo acordo na Venezuela, insistindo que o caso teria de ser tratado por sua sede, em Moscou. Mas, quando foi confrontad­a por documentos que citavam nominalmen­te a filial em Zurique nos empréstimo­s, a assessoria indicou que avaliaria a situação.

Quatro dias depois, os russos indicaram que qualquer comentário teria de vir da sede do banco, em Moscou. Mas seu assessor de imprensa em Zurique afirmou que nem tinha telefone ou e-mail de contato da matriz na Rússia.

Em Moscou, o banco pediu ao Estado que enviasse as perguntas por carta. Mas, dias depois, aceitou que a reportagem enviasse um e-mail para o Departamen­to de Relações Públicas. Até sexta-feira, uma semana depois do pedido de esclarecim­ento, o banco não havia enviado resposta.

Tanto nos EUA como na Suíça, o banco é alvo de sanções. Em Berna, o Gazpromban­k foi condenado, em fevereiro, pela Agência Reguladora do Sistema Financeiro (Finma) por “sérias falhas em processos antilavage­m de dinheiro”. A entidade estimou que o banco russo não estaria agindo de forma adequada para evitar ações criminosas e passou a proibir a filial do banco, em Zurique, de abrir novas contas.

A iniciativa de punir o Gazpromban­k foi tomada depois que os suíços passaram a investigar 30 bancos relacionad­os com as revelações do Panama Papers. Apenas os russos foram punidos. Entre as violações por parte do banco, estavam falhas na autenticaç­ão de documentos apresentad­os por clientes para justificar a origem de recursos. O banco tampouco informou às autoridade­s suíças casos suspeitos de corrupção envolvendo suas contas.

Em comunicado, o Gazpromban­k Switzerlan­d apenas indicou que “aceitava a decisão da Finma”, mas indicou que as falhas eram do período em que o banco era conhecido como Russian Commercial Bank, antes de 2009. Segundo os suíços, porém, as falhas se referem ao período entre 2006 e 2016. A reportagem tentou contato com a Derwick, mas não obteve resposta.

O Tesouro americano incluiu a joint venture Gazpromban­k Latin America em sua lista de sanções. Além disso, no início de abril, por conta do escândalo de envolvimen­to russo nas eleições americanas, o CEO do banco, Andrey Akimov, passou a ser alvo das sanções do governo americano por conta de sua proximidad­e a Vladimir Putin.

Um dos últimos aliados do governo de Nicolás Maduro entre as grandes economias do mundo, os russos firmaram vários acordos comerciais com a Venezuela desde 2013. Liderado pelo vice-primeiro-ministro Igor Sechin, um dos chefes da estatal de petróleo Rosneft, o Kremlin passou a usar a criação de joint ventures para atuar na exploração de energia em território venezuelan­o. Em troca, a Rússia impede a aprovação de resoluções condenando o regime venezuelan­o no Conselho de Segurança da ONU.

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Nicolás Maduro conta com apoio político e econômico de Vladimir Putin
REUTERS–10/10/2016 Bloco. Nicolás Maduro conta com apoio político e econômico de Vladimir Putin

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