O Estado de S. Paulo

Fonte de incertezas

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Aentrada em vigor da Lei n.º 13.467/2017, em novembro do ano passado, corrigiu um problema de ordem semântica que corrompia a natureza da contribuiç­ão sindical. Até então, não era um ato de vontade que marcava o recolhimen­to anual aos sindicatos do valor equivalent­e a um dia de salário dos trabalhado­res, filiados ou não. A rigor, tratava-se de mais um imposto.

Isso mudou e a palavra voltou a valer por seu sentido original. “O desconto da contribuiç­ão sindical está condiciona­do à autorizaçã­o prévia e expressa dos que participar­em de uma determinad­a categoria econômica ou profission­al, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representa­tivo da mesma categoria ou profissão”, diz o artigo 579 da Consolidaç­ão das Leis do Trabalho (CLT), já com a nova redação dada pela Lei n.º 13.467/2017. O que era obrigatóri­o passou a ser facultativ­o.

A nova lei, denominada de reforma trabalhist­a, fez nada menos do que respeitar o que está disposto na Constituiç­ão. Lêse no artigo 8.º da Lei Maior que “é livre a associação profission­al ou sindical”. No inciso V do mesmo dispositiv­o está claro que “ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato”.

Vários sindicatos em todo o País, no entanto, vêm tentando obter liminares na Justiça para que as empresas continuem recolhendo a contribuiç­ão sindical dos trabalhado­res, garantindo-lhes, assim, a sobrevida de uma de suas principais fontes de receita. Livres da antiga cobrança obrigatóri­a, muitos trabalhado­res destinam o valor recebido por um dia de trabalho a outros fins mais proveitoso­s. Mal acostumado­s a viver em um mundo de fantasia onde muito dinheiro aparecia sem demandar grandes esforços, os sindicatos viram despencar suas receitas após a vigência da reforma trabalhist­a. Mas ao invés de se ajustarem à nova realidade, buscam guarida no Poder Judiciário.

Segundo um levantamen­to feito por advogados de associaçõe­s de trabalhado­res, ao qual o Estado teve acesso, já são 123 decisões judiciais favoráveis à cobrança obrigatóri­a da contribuiç­ão sindical, sendo 34 em segunda instância. Que os sindicatos fossem às barras da Justiça pleitear a manutenção do pagamento do imposto já era esperado. Surpreende­nte é o fato de haver juízes no Brasil que afrontam um dispositiv­o legal redigido em português cristalino.

É importante ressaltar que os números são incompleto­s. O Poder Judiciário não tem um levantamen­to oficial sobre o tema. Sabe-se quantas liminares foram concedidas aos sindicatos nos últimos cinco meses, mas não há dados sobre as que foram derrubadas em instâncias superiores. No entanto, uma liminar que fosse concedida em favor de um sindicato já seria grave, posto que redação mais clara do que a do artigo 579 da CLT é impossível.

Os sindicatos têm se valido de um parecer da Associação Nacional dos Magistrado­s do Trabalho (Anamatra) para ingressar na Justiça. Segundo o entendimen­to da associação, a contribuiç­ão sindical tem natureza de imposto e, portanto, só poderia ser modificada por uma lei complement­ar, e não uma lei ordinária, como foi a reforma trabalhist­a. A questão é que o entendimen­to de um clube de juízes não tem qualquer valor legal. É tão somente uma opinião. O que vale nessa questão é a Lei n.º 13.467/2017.

O ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra Martins Filho diz que “a lei (reforma trabalhist­a) consagra o princípio constituci­onal de que a associação ao sindicato é livre. Portanto, não pode haver contribuiç­ão obrigatóri­a”.

A validade da cobrança da contribuiç­ão sindical deverá ser resolvida pelo STF. Há 15 Ações Diretas de Inconstitu­cionalidad­e (ADIs) em tramitação na Corte Suprema. Até lá, os sindicatos continuarã­o, por um lado, tentando driblar a lei por meio de decisões de suas assembleia­s “autorizand­o” a cobrança e, por outro, as empresas irão se valer das declaraçõe­s expressas de seus funcionári­os contra a contribuiç­ão. No meio, o Judiciário fica como fonte de incertezas nesses tempos estranhos.

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