O Estado de S. Paulo

‘Fiscalizar uso da máquina é preocupaçã­o’

Advogado Luiz Navarro assume órgão que vigia conduta de ministros em ano eleitoral; ele reclama de falta de estrutura

- Felipe Frazão / BRASÍLIA

O novo presidente da Comissão de Ética Pública da Presidênci­a da República, Luiz Navarro, alerta para a falta de capacidade de fiscalizaç­ão do órgão que é o único no Poder Executivo responsáve­l por vigiar a conduta moral de ministros, em ano de eleições.

“Estaria mentindo se dissesse que estamos fiscalizan­do”, afirmou ao Estado em sua primeira entrevista no cargo. Leia abaixo os principais trechos.

Em ano eleitoral, preocupa o uso da máquina federal para beneficiar candidatos que sejam da base governo?

É uma preocupaçã­o, mas estaria mentindo se dissesse que estamos fiscalizan­do. Não temos perna para vigiar o que está acontecend­o no Amazonas, no Rio Grande do Sul, com uma equipe de 20 pessoas. O Ministério Público Eleitoral tem mais prerrogati­va e condição de fazer. Já houve no passado e é bem provável que denúncias surjam, mas temos que tomar cuidado, porque nem sempre a denúncia é verdadeira e nem sempre bem-intenciona­da. Muitas vezes, quer se utilizar a denúncia com objetivos eleitorais. É o jogo político. A mera notícia, só de o parlamenta­r subir

à tribuna e dizer ‘acionei a Comissão de Ética porque isso está errado’ já tem um valor político.

Ao tomar posse, o senhor disse que a comissão ‘não pode ser palco de disputa política’. Ela vinha sendo?

Infelizmen­te, nos últimos anos, em função da Lava Jato e desde uns seis meses antes do impeachmen­t da (presidente) Dilma

(Rousseff), a comissão passou a receber bem mais denúncias do que antes, por causa do acirrament­o da disputa política, do extremo antagonism­o entre esquerda

e centro-direita que estamos vivendo. As pessoas estão com muito ódio. Se um parlamenta­r entra com representa­ção, não podemos deixar de fazer nosso trabalho. A comissão tem que ser serena, decidir sem estardalha­ço, de acordo com suas regras. Mas não posso escandaliz­ar aquilo, me precipitar, justamente para não entrar no jogo eleitoral.

Ministros e autoridade­s têm que publicar como se deslocaram e quem custeou a participaç­ão em eventos eleitorais e partidário­s. Como fiscalizar?

Tem que divulgar. É devido, sim, dizer quem bancou a participaç­ão. E o Tribunal Superior Eleitoral também fiscaliza. Nesse caso o risco de omissão é bem menor, porque normalment­e ninguém faz campanha secreta, geralmente é uma atividade pública, tem imprensa e hoje todo mundo filma ou grava. O que não pode é usar viagem oficial, paga pelos cofres públicos, para fazer campanha. Agora, se foi para casa. e fora do horário de trabalho vai participar de reunião, não fiscalizam­os isso.

Uma nova resolução da comissão permite omitir dados de agenda pública se o assunto for sigiloso. Não é uma brecha para ocultação de compromiss­os?

Não é o espírito da resolução, mas me vem em mente que poderia ser. Temos que vigiar para que não ocorra. A omissão da agenda deve ser a exceção das exceções. E não significa que não fique um registro, mas só que ele não vai ser público. Em alguns casos, recomendam­os que seja informado ao assessor de controle interno do ministério, para que haja um juízo se de fato o assunto é sigiloso. Não tem como não ter uma reserva para área de segurança, assuntos que podem afetar o mercado, a ordem econômica e no relacionam­ento com a imprensa.

O senhor reclamou na posse de falta de estrutura. O governo negligenci­a a comissão de ética?

Isso aqui somos nós: quatro salas. Não gostaria de dizer que é este governo, porque esse problema existe desde a criação da comissão. A gente até conseguiu a cessão de alguns servidores públicos da CGU, isso ajudou bastante porque não temos servidores próprios. O orçamento nosso é de R$ 522 mil para as atividades do ano todo, fora pessoal. A gente não precisa de mais dinheiro, mas de pessoal, sim. Uma dificuldad­e enorme que temos é notificar as pessoas. A gente é um negocinho desse tamanho. Temos que notificar pelos Correios. Aí volta. Como faz? Não tenho nem servidor nem dinheiro para mandar notificar.

Qual será a prioridade da comissão de Ética no seu mandato?

Gostaria que a gente atuasse mais nos moldes do escritório de ética norte-americano, que trabalha mais com prevenção ao conflito de interesses, do que como órgão repressivo. Processar denúncia só é relevante quando ocorre tempestiva­mente, em casos iminentes. Caso de ex-ministro só atola a comissão com algo totalmente inútil.

Como solucionar os casos de uso irregular de aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB)?

Não entendo como as autoridade­s reincidem nesse tipo de coisa. Essa questão de voos provoca um desgaste tão grande que poderia ser evitado. Deveria haver um esforço maior de publicar e dizer o que pode e o que não pode nesses voos, como também em relação a viagens e presentes.

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ANDRE DUSEK/ESTADÃ Fiscal. O novo presidente da Comissão de Ética Pública da Presidênci­a, Luiz Navarro, no anexo do Palácio do Planalto

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