Ocidente suspeita da diplomacia de Kim
Analistas questionam se concessões da Coreia do Norte seriam forma de ganhar tempo e minar relação entre Estados Unidos e Coreia do Sul
Para alguém que costuma ser tratado como pária, o nortecoreano Kim Jong-un está surfando em ondas diplomáticas que o fazem parecer um ator proeminente no jogo de poder global. O ditador da Coreia do Norte acaba de realizar sua primeira visita à China desde sua chegada ao poder, em 2011, e se prepara para se reunir com o sul-coreano Moon Jae-in e o americano Donald Trump, líder do país mais demonizado pela propaganda de Pyongyang.
Na sexta-feira, Kim anunciou que suspenderá todos os testes de bombas nucleares e de mísseis balísticos intercontinentais. Interpretado como um gesto de boa vontade ao exterior, a decisão reitera o que já havia sido divulgado pelo ditador em seu discurso de ano-novo, no qual declarou “concluída” a tarefa de desenvolvimento do arsenal nuclear do país.
O Kim “paz e amor” de 2018 contrasta com o Kim belicoso e isolado de 2017, que marcou o ápice do desenvolvimento de seu programa nuclear, com testes da bomba mais potente já produzida na Coreia do Norte e de mísseis balísticos intercontinentais que podem chegar aos EUA.
Kim dedicou os seus primeiros sete anos no poder a fortalecer seu arsenal nuclear, no qual baseou grande parte da busca de legitimidade junto à população do país, cujo comando assumiu com menos de 30 anos de idade. As demandas dos EUA vão muito além da suspensão de testes nucleares e abrangem também o desmantelamento do arsenal da Coreia do Norte.
A dúvida é se Kim está realmente disposto a abrir mão do
“Os norte-coreanos, historicamente, alternaram entre provocação e diálogo para ganhar tempo. A melhor forma de pensar nisso é a que eles chegaram a um platô no programa nuclear e estão preparados para se sentar e descansar antes de continuar a subir” Scott Snyder COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS
que construiu ou se usa a diplomacia para manipular adversários e aliados, obter concessões e provocar divisões na aliança entre os EUA e a Coreia do Sul.
“Os norte-coreanos, historicamente, alternaram entre a provocação e o diálogo como uma maneira de ganhar tempo. A melhor forma de pensar nisso é o modo como eles chegaram a um platô no programa nuclear e estão preparados para se sentar e descansar antes de continuar a subir”, disse Scott Snyder, do Council on Foreign Relations.
Apesar de considerar baixa a probabilidade de que o encontro entre Trump e Kim seja um sucesso, Snyder afirmou que esse é o único caminho que ainda não foi explorado. “Trump está fazendo uma aposta pessoal de que pode passar à história como o presidente que resolveu o problema nuclear da Coreia do Norte, o que nenhum outro presidente foi capaz de fazer.” A reunião deverá ocorrer em algum momento entre maio e junho.
Analistas acreditam que a mudança de rota de Kim é resultado da política de “pressão máxima” de Trump, que combinou o aumento de sanções à ameaça de ataque preventivo contra o país. Mas analistas ressaltam que o cerco só funcionou porque teve apoio da China, responsável por mais de 90% do comércio exterior da Coreia do Norte. Não está claro se Pequim manterá o empenho após a reaproximação com Pyongyang e a declaração de guerra comercial contra suas exportações por Trump.
A chance de que Kim abandone sua ambição nuclear é considerada mínima por muitos analistas. “Quanto mais nós olhamos para os detalhes, menos faz sentido para a Coreia do Norte acabar com suas armas nucleares. Por que fariam isso?”, questionou In Bum-chun, general da reserva sul-coreano em evento em Washington. Para ele, Kim quer ganhar tempo e colocar uma cunha na aliança entre a Coreia do Sul e os EUA.
“Do nascimento à morte, os norte-coreanos são ensinados que os EUA querem matá-los. Para propor a paz com os EUA e o abandono de armas nucleares, Kim terá de desmontar essa estrutura ideológica que foi construída ao longo de 70 anos”, observou Jung Pak, acadêmica do Brookings Institution. Para ela, o regime não conseguirá sobreviver sem a figura de um inimigo externo.
Mark Tokola, vice-presidente do Korean Economic Institute, avaliou que um dos riscos das cúpulas é Kim adotar a cartilha de seu avô, Kim Il-sung, o fundador da Coreia do Norte, que jogava a China contra a União Soviética na promoção de seus interesses. “Se a cúpula entre Kim e Moon for bem, mas a com Trump terminar mal, os EUA serão retratados como o problema.”
Outra ameaça é o colapso das negociações logo no início, diz Tokola. “Nesse caso, estaremos de volta a 2017, mas em uma situação muito mais perigosa, já que não existirá a possibilidade de nova saída diplomática.”