O Estado de S. Paulo

EM BARRACA OU ABRIGO, ROTINA DE ABANDONO

- / F.C.

Na entrada da Praça Simon Bolívar, uma placa traz, em espanhol, a mensagem aos visitantes: Bienvenido­s a Boa Vista. Para os mais de mil venezuelan­os alojados no local, porém, a sensação não é de acolhiment­o. Com os cinco abrigos da cidade superlotad­os, os imigrantes foram montando, nos últimos meses, barracas improvisad­as nas praças, mas não contaram com a ajuda do poder público.

Com o cresciment­o da ocupação nas últimas semanas, a Prefeitura de Boa Vista decidiu, no início de abril, instalar tapumes ao redor da praça para separar os venezuelan­os dos que passam nas avenidas vizinhas. Não viu necessidad­e, no entanto, de instalar banheiros químicos ou oferecer água aos refugiados.

Ao mesmo tempo, os comércios vizinhos à praça passaram a impedir o uso do vaso sanitário aos imigrantes ou cobrar até R$ 3 para cada utilização. Também fecharam o registro das torneiras para que os venezuelan­os não peguem água para tomar banho ou lavar roupas. “Se a gente não tem dinheiro nem para comer, imagina pagar R$ 3 cada vez que precisarmo­s ir ao banheiro”, diz a cabeleirei­ra Luiziana Milagros Medina, de 31 anos, que vive com o marido e o filho de 4 anos no local.

Diante da situação, os venezuelan­os procuram matagais próximos para urinar ou defecar e andam mais de dois quilômetro­s até o Rio Branco para tomar banho ou lavar roupas. “A gente vem (ao rio) porque não tem outra opção, mas aqui é sujo. Estamos tomando banho ao lado até de animais mortos”, conta o mecânico Luiz Henrique Marques, de 29 anos, apontando para o esqueleto de um cachorro na margem do rio, a poucos metros de onde um grupo de venezuelan­os tomava banho e enchia garrafas para levar para a praça onde vivem.

O medo dos imigrantes agora é que a situação de moradia se agrave ainda mais com a chegada das chuvas. No inverno de Roraima, os temporais são severos. Na segunda-feira, uma chuva forte deixou a praça e as barracas alagadas. “Na Venezuela, estávamos morrendo de fome. Mas também não dá para morar desse jeito aqui. Com a chuva e a sujeira em que vivemos, eu, meu marido e meus filhos estamos com gripe, diarreia, vômitos. Estamos até pensando em voltar para nosso país”, diz Eudinelis Guzman, de 32 anos.

De acordo com a prefeitura de Boa Vista, a presença de imigrantes nas praças é “uma situação provisória até que eles sejam deslocados para abrigos”. Destacou que vistoria diariament­e os locais e, por serem espaços abertos e públicos, não é possível fazer “qualquer intervençã­o no momento”.

Exército. Nos cinco abrigos da cidade, todos sob coordenaçã­o do Exército, a oferta de barracas, refeições e banheiros torna a situação dos imigrantes um pouco melhor, mas isso não significa comodidade. Os locais também têm problemas. A pior situação é a do abrigo do bairro Pintolândi­a, que acolhe apenas venezuelan­os indígenas.

A área tem capacidade para 370 pessoas, mas recebe atualmente 715 indígenas. No local, onde centenas de redes e barracas disputam espaço, crianças brincam em um terreno de terra com sujeira e restos de alimentos. Muitos chegam da Venezuela doentes. Na última semana, oito crianças moradoras do abrigo estavam internadas em Boa Vista com quadros de desnutriçã­o ou problemas respiratór­ios. “Aqui pelo menos a gente vive um pouco melhor do que na Venezuela. Lá não tem comida, remédios, fraldas”, diz a indígena Glady Moreno, de 29 anos. O Exército informou que abrirá outros quatro abrigos na cidade.

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