APÓS RIO-2016, ATLETAS FAZEM ‘BICOS’ PARA SOBREVIVER
Corte de verbas e falta de apoio dos clubes obrigam esportistas a dar aulas de musculação até na praia
Alevantadora de peso Eliane Nascimento teve de modificar bastante sua rotina de treinos após a Olimpíada do Rio. O motivo foi a redução drástica dos investimentos que estrangulou a maioria das modalidades. Hoje, ela trabalha como personal trainer na maior parte do dia e treina na hora do almoço e nas horas vagas. Uma vez por mês, a atleta dá aulas de treinamento funcional na Barra, no Rio de Janeiro. Por enquanto, ela desistiu da seleção brasileira.
Com Wellison Silva, a situação é parecida. Depois de disputar os Jogos do Rio e ficar em 18.º lugar na categoria 85 kg, com o total de 325 kg (arranco 145 kg, arremesso 180 kg), ele não consegue viver apenas do esporte. Ele é atleta do Esporte Clube Pinheiros, mas precisa dar aulas de crossfit para complementar a renda. Ainda tem esperança de conseguir índice para o Pan-Americano da modalidade, que acontece de 12 a 19 de maio, em Santo Domingo, República Dominicana. Sabe, no entanto, que tem um desafio de Hércules pela frente. Mais um além das dezenas de anilhas que levanta todo dia. “É muito complicado se dedicar aos treinos tendo que se virar para ganhar algum dinheiro. Manter o alto rendimento nessas condições é praticamente impossível”, comenta o pesista, que já esteve em duas edições dos Jogos Olímpicos pelo Brasil.
A escassez de recursos para os esportes olímpicos, tema já batido para as grandes modalidades, está matando de sede os esportes de menor expressão. Literalmente. Os esportes nanicos estão encolhendo ao perder praticantes. É o caso de Eliane, por exemplo. Os atletas identificam ainda um círculo vicioso nisso: com pouco tempo para treinar, pois precisam trabalhar para pagar as contas de água, luz e telefone, eles têm dificuldades para conseguir bons resultados. Com isso, têm menos visibilidade e penam para obter patrocinadores. No fim das contas, as verbas ficam cada vez mais diminutas. É um beco sem saída.
“O esporte está acabando aos poucos, pois muitos atletas não têm como se manter”, diz Rosane Reis, atleta do Pinheiros e terceiro-sargento da Marinha. Com 193 kg de marca (90 kg de arranco e 103 kg de arremesso), ela conseguiu no Rio um histórico quinto lugar, a melhor colocação da modalidade em uma Olimpíada. “O que salva os atletas é o apoio de alguns clubes e o Bolsa Atleta”, completa.
Culpados. Na visão dos atletas, existem vários culpados para a crise. O primeiro, mais amplo, é a fase estrutural que espantou os patrocinadores depois da Olimpíada. Não escapou ninguém, da natação ao judô. Mas existem problemas mais localizados. No mês de março, os atletas do levantamento de peso fizeram um protesto reclamando de falta de diálogo com a Confederação Brasileira de Levantamento de Pesos (CBLP). Eles simplesmente desistiram de participar de uma das seletivas para o Pan de Santo Domingo. Segundo o movimento, a entidade cortou os salários – média de R$ 2.500 –, vale-alimentação de R$ 200 e até o plano de saúde dos atletas da seleção brasileira. A única justificativa foi “falta de verba”.
A entidade afirma que a crise pegou todo mundo. “Como é de conhecimento público, diversas confederações tiveram redução de orçamento e perda de patrocínios. A Confederação Brasileira de Levantamento de Pesos (CBLP) também foi atingida pela perda de nosso principal e único parceiro. Com isso, tivemos que realizar ajustes em quase todas as áreas”, diz o presidente Enrique Monteiro. Por outro lado, ele destaca as conquistas. “Uma das áreas que não foram atingidas foi a de participação em eventos internacionais. Batemos recorde em termos de atletas participantes nessas competições”, diz.
A levantadora Liliane Lacerda aponta o dedo na direção dos clubes. “Eu vim do atletismo e sei que a confederação não tem essa obrigação financeira com os atletas. No Rio, a situação é mais crítica ainda. Não temos o apoio dos clubes”, critica.
Atletas enfrentam outro problema: a falta de interesse de novos competidores ao esporte