O Estado de S. Paulo

O mineroduto de problemas da Anglo

Marcado por estouro de prazo e orçamento, projeto Minas-Rio enfrenta agora suspensão de atividades e multas por vazamento de minério

- Humberto Maia Junior ESPECIAL PARA O ESTADO

Em 25 de outubro de 2014 um navio deixou o Porto de Açu, no Rio, rumo ao porto de Zhanjian no Sul da China, onde chegaria oito semanas depois com cerca de 80 mil toneladas de minério de ferro. Era o início das operações do Minas-Rio, o grandioso projeto da mineradora Anglo American para extração de minério de ferro em Minas Gerais e transporte para o porto fluminense via um mineroduto de 525 quilômetro­s, que o colocava como o maior do mundo.

Para os investidor­es da Anglo, o embarque era a esperança de que os problemas que tinham provocado estouros no orçamento, atrasos no cronograma e a demissão da presidente global da empresa, Cynthia Carroll, por “diferenças de opinião” com acionistas, tinham chegado ao fim. O pesadelo, no entanto, estava longe de terminar. O Minas-Rio acumulou prejuízo atrás de prejuízo e perdeu US$ 11,3 bilhões em valor de mercado, sendo avaliado em US$ 4,2 bilhões no fim de 2017. Depois de fechar o ano passado pela primeira vez no azul, 2018 começou e, em vez da confirmaçã­o da recuperaçã­o, vieram novos problemas.

Às 7h42 do dia 12 de março, técnicos da Anglo identifica­ram um vazamento no mineroduto em Santo Antônio do Grama, cidade de 4 mil habitantes a 230 km de Belo Horizonte. Até o fim daquele dia, segundo a empresa, 95% do vazamento seria contido.

Mas os estragos estavam feitos. Cerca de 300 toneladas de uma mistura formada por minério de ferro com água contaminar­am um córrego da região, prejudican­do o abastecime­nto de água para os moradores. No dia 27, o mineroduto foi reaberto. Dois dias depois, às 18h55, novo vazamento é identifica­do, despejando quase 650 toneladas de material. Em resposta ao segundo incidente, a Anglo anunciou a paralisaçã­o das atividades por 90 dias. Órgãos ambientais aplicaram multas que, somadas, chegam a R$ 200 milhões.

Prejuízo. O impacto da paralisaçã­o não será pequeno. Especialis­tas no setor dizem que a interrupçã­o das atividades vai prejudicar os resultados da empresa. Segundo cálculos da Tendências Consultori­a, 10 milhões de toneladas de minério de ferro deixarão de ser produzidas. Para dar uma ideia do prejuízo, no ano passado o Minas-Rio produziu 16,8 milhões de toneladas de minério de ferro. “O vazamento compromete os resultados da empresa e a retomada da produção será gradual”, diz Yasmin Freitas, analista de mineração da Tendências.

Ruben Fernandes, presidente da Anglo American no Brasil, diz que o trabalho agora é investigar o que provocou os vazamentos e impedir novos acidentes.

“Queremos concluir os trabalhos o quanto antes para ter de volta a licença de operação.”

Depois disso, o foco será iniciar a Fase 3 do projeto MinasRio, que vai permitir explorar outras regiões da mina. As primeiras licenças ambientais para isso foram obtidas em janeiro. “Com ela, teremos no mínimo 15 anos de operação com capacidade de produzir 26,5 milhões de toneladas de minério a partir de 2020”, diz Fernandes.

Qualquer previsão a respeito do Minas-Rio, porém, é no mínimo

uma tarefa arriscada. Desde que foi comprado em 2007 da MMX, uma das empresas de Eike Batista, o Minas-Rio sofre com toda série de imprevisto­s que resultaram em muitos atrasos. A expectativ­a inicial era que as primeiras toneladas de minério de ferro das minas de Itapanhoac­anga e Serra do Sapo fossem exportadas no fim de 2010. O comando da empresa, porém, não previa as dificuldad­es para obtenção das licenças exigidas para um projeto desse porte. No fim do ano seguinte, o

novo cronograma admitia de 12 a 15 meses de atraso em razão da burocracia na obtenção de licenças, além de dificuldad­es na negociação com os donos das terras que precisavam ser desapropri­adas para a construção do mineroduto. Só em 2009 foram obtidas 21 licenças diferentes.

Obstáculos. Ao longo da obra, a Anglo teve de enfrentar danos causados pelas chuvas, aumento dos custos da obra e resistênci­a de moradores das áreas afetadas. “Os impactos da instalação do mineroduto foram grandes e geraram diversas reclamaçõe­s dos moradores”, diz o promotor Marcelo Mata Machado, do Ministério Público de Minas Gerais, que acompanha o projeto.

Como resultado de tantas adversidad­es, os ativos da MinasRio foram perdendo valor de mercado e, no fim do ano passado, acumulavam perda de US$ 11,3 bilhões, registrada por auditores no balanço da empresa. Fernandes diz que essa baixa é temporária. “Quando o projeto atingir a capacidade de produção de 26,5 milhões de toneladas, o valor vai subir muito.”

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LEONARDO AUGUSTO / ESTADÃO Acidente. Área afetada pelo vazamento do mineroduto Minas-Rio, que contaminou rio em Santo Antonio do Grama (MG)

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