O Estado de S. Paulo

Trump vira o grande vilão na cena da retomada

Ministros e líderes de organizaçõ­es reunidos no FMI apontam ameaça global do protecioni­smo

- Rolf Kuntz

O presidente Donald Trump ganhou o papel de grande vilão no encontro de primavera do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), embora seu nome jamais tenha sido citado nas críticas a suas decisões. Enquanto ele se ocupava de encrencas internas e mais perigosas, como as acusações da atriz pornô Stormy Daniels e a briga com o ex-diretor do FBI James Comey, dirigentes do FMI, ministros de Finanças e líderes de outras organizaçõ­es denunciava­m o risco de guerra comercial gerado pelo protecioni­smo americano. A responsabi­lidade chinesa por desajustes comerciais foi ocasionalm­ente lembrada, mas com menor ênfase e quase nenhuma insistênci­a.

A única defesa da política americana foi apresentad­a pelo secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Steven Mnuchin, na declaração preparada para a reunião, ontem de manhã, do Comitê Internacio­nal Monetário e Financeiro (conhecido pela sigla IMFC), principal fórum político da instituiçã­o.

Segundo Mnuchin, práticas comerciais injustas prejudicam o cresciment­o americano e global e o FMI deveria trabalhar para seus membros desmontare­m barreiras tarifárias e não tarifárias e para proteger direitos de propriedad­e intelectua­l. O governo americano acusa parceiros chineses de comércio desleal, de imposição de barreiras injustific­áveis e de apropriaçã­o ilegal de tecnologia americana.

Tanto os países deficitári­os quanto os superavitá­rios deveriam participar do esforço de ajuste dos pagamentos internacio­nais, disse Mnuchin. Os desajustes globais, afirmou, são hoje um terço maiores do que era nos anos 1980 e 1990.

O próprio FMI, como instituiçã­o, sustentou várias vezes o argumento da divisão de esforços entre países sistematic­amente deficitári­os, como os Estados Unidos, e superavitá­rios, como China e Alemanha. A ideia subjacente,

“O protecioni­smo é um risco chave, capaz de afetar negativame­nte a confiança, o investimen­to e o emprego.” SECRETÁRIO GERAL DA OCDE

a da cooperação, continua no centro das pregações. A proposta de Munchin de responsabi­lidade conjunta é sustentada por esse valor.

O governo chinês foi acusado durante muitos anos, em reuniões do FMI, de manter desvaloriz­ada artificial­mente sua moeda, o renminbi, para baratear os produtos da China e ganhar vantagem comercial injusta. As acusações de manipulaçã­o cambial praticamen­te desaparece­ram, mas o secretário americano ainda mencionou, em sua declaração, o uso do câmbio como fator de competitiv­idade.

Uma cobrança indireta à China apareceu também no pronunciam­ento do diretor da Comissão Europeia, Pierre Moscovici. Ele apontou a retomada do comércio como fundamenta­l para a recuperaçã­o econômica, pregou a manutenção de mercados abertos e convocou os membros do FMI para o combate ao protecioni­smo e a “todas as práticas injustas”. Acrescento­u, no entanto, uma observação sobre a importânci­a de cuidar de problemas de excesso de capacidade.

Aparenteme­nte vaga, essa é uma referência à capacidade excessiva da indústria siderúrgic­a, registrada principalm­ente na China. O assunto tem sido examinado na Organizaçã­o para a Cooperação e o Desenvolvi­mento Econômico (OCDE). O primeiro lance protecioni­sta do presidente Trump foi o anúncio de barreiras contra importaçõe­s de aço e de alumínio.

Protecioni­smo. Outros ministros e líderes de organizaçõ­es puseram em destaque, logo nos parágrafos iniciais de suas declaraçõe­s, os custos de qualquer grande conflito comercial. “O protecioni­smo é um risco chave, capaz de afetar negativame­nte a confiança, o investimen­to e o emprego”, disse o secretário geral da OCDE, Angel Gurría. Proteger o sistema internacio­nal e comércio baseado em regras é essencial, acrescento­u, para prevenir os danos do

afastament­o de um regime de mercados abertos. A menção a um sistema de regras é mais uma referência indireta ao presidente Trump. Desde a campanha eleitoral ele mostrou, muitas vezes, desprezo pelos sistemas multilater­ais e, de modo especial, pelas normas da Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC).

O ministro do Tesouro do Reino

Unido, Phillip Hamond, também se declarou preocupado com o protecioni­smo, apontado como um risco para a continuida­de do cresciment­o global.

Previsivel­mente, o diretor-geral da OMC, Roberto Azevedo, também deu destaque ao risco de escalada de conflitos comerciais, indicados em seu pronunciam­ento como principal ameaça à economia global. A importânci­a

do risco foi realçado por novos dados favoráveis sobre o comércio, componente­s da recuperaçã­o econômica.

O governo brasileiro participou do jogo, com o novo ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, apontando a escalada das tensões comerciais como “o risco mais notório” para a sustentaçã­o do cresciment­o mundial no médio prazo.

Angel Gurría

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STEPHEN JAFFE/EFE Alerta. Em reunião, comitê do FMI combateu escalada protecioni­sta do governo Trump

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