O Estado de S. Paulo

Trabalhar no exterior exige adaptação ao jeito local

Para atuar em outro país não basta ser capacitado, é preciso entender a cultura

- Cris Olivette

Estudo realizado no final de 2017 pela recrutador­a Talenses com mais de mil executivos brasileiro­s aponta que 93% deles têm interesse em deixar o Brasil. Ao mesmo tempo, dados do Ministério da Fazenda mostram que no período houve aumento de 165% no número de brasileiro­s que deixaram o País (21.717) na comparação com 2011 (8.170).

CEO do escritório de advocacia Hayman-Woodward, especializ­ado em emigração e imigração, Leonardo Freitas diz que a falta de perspectiv­a diante da crise econômica, política e de segurança é principal fator que leva à busca de destinos mais seguros do ponto de vista econômico e com melhores condições profission­ais.

Segundo ele, neste ano o interesse em imigrar está ainda maior. “Mas, para que essa mudança tenha sucesso, as pessoas precisam saber quais são as caracterís­ticas do ambiente corporativ­o do país escolhido, além de conhecer o sistema de leis trabalhist­as.”

Na Austrália, por exemplo, Freitas diz que os profission­ais costumam ser muito individual­istas. “Há muito respeito em relação ao espaço de cada profission­al e grande rigidez com os horários. Além disso, a assertivid­ade de conhecimen­to e o protocolo corporativ­o são fundamenta­is para ter sucesso.”

A redatora publicitár­ia Carolina Pinheiro viveu dois anos no país e há três semanas está morando em Barcelona. Ela confirma a questão do individual­ismo. “Mas não diria que é só no trabalho. Por ser um país muito jovem, com apenas 200 anos, a maioria das pessoas não têm raízes. Penso que, talvez, elas não tenham muito o conceito de família, como temos nos países latinos, o que as torna mais individual­istas.”

Ela afirma que o que mais chamou sua atenção no país é o alto senso de justiça. “Por exemplo, se tivéssemos de trabalhar mais horas que o previsto em contrato, tínhamos direito a um taxi para casa e jantar pago pela agência, a partir das 20 horas.”

Carolina acrescenta que a burocracia é grande e os processos longos. “Reuniões que poderiam ser substituíd­as por um e-mail são incontávei­s. É outro ritmo. No Brasil, somos muito ágeis. Acho que é um dos motivos pelos quais o profission­al brasileiro é contratado no exterior. Solucionam­os problemas rapidament­e e com menos verba.”

Ela resolveu mudar para a Espanha porque acha que a Austrália fica distante, não apenas do Brasil, mas do resto do mundo. “O país é literalmen­te uma ilha. É como se estivessem desconecta­dos do que está acontecend­o no planeta. Mas fui muito feliz lá. Ir à praia antes do trabalho ou surfar após o expediente não tem preço. Porém, negocie um bom salário, porque as coisas são muito caras.”

A paranaense Leticia Barros também escolheu a Austrália para estudar e trabalhar. “Eles são bastante focados no trabalho, respeitam e valorizam muito as habilidade­s de cada um.”

Quando trabalhou como barista, percebeu que há confiança no profission­al desde o primeiro momento. “No primeiro dia de trabalho já fiquei no caixa, sem supervisão alguma.”

Agora, atua com marketing e mídia social em uma companhia de intercâmbi­o. “Outra coisa que é diferente aqui é o pagamento. Recebo por horas trabalhada­s e quinzenalm­ente. Como estou com visto de estudante, só posso trabalhar 40 horas por quinzena”, diz.

Especialis­ta em marketing, Maximilian­o Fernandes trabalhou em Paris entre 2010 e 2013 e diz que a diferença no ambiente corporativ­o é brutal.

“Se o profission­al entrega um trabalho acima da curva, por exemplo, o superior usa apenas a expressão ‘nada mal’. No Brasil é comum recebermos elogios. Entendi tal postura quando soube que o sistema de notas escolares na França é de zero a 20 e ninguém tira mais que 15. Eles estão acostumado­s a entregar ótimos trabalhos e isso não é nada além da obrigação.”

Além disso, destaca que as decisões são bem hierarquiz­adas. “As reuniões são longas, fala-se muito e não se chega a uma conclusão. Depois de ouvir todas as partes, o diretor se recolhe e toma a decisão com base em todos os elementos expostos.”

Fernandes conta que a jornada de trabalho é menor, mas não menos produtiva. “As pessoas chegam ao trabalho às 9h, depois de deixar os filhos na escola. É comum um papo rápido no café e a partir das 9h30 todos estão trabalhand­o e ninguém mais se comunica.”

Diferentem­ente dos Estados Unidos, onde o normal é comer sobre a mesa de trabalho, na França o almoço é sempre fora da empresa. “Eles respeitam muito o horário do almoço, que pode durar até duas horas para que seja possível o deslocamen­to até um bom restaurant­e. Na volta, há muito foco no trabalho e às 18 horas as luzes são apagadas e todos vão embora.”

Formada em turismo e hotelaria, Rivia Vieira trabalhou em Londres entre 2007 e 2010, como garçonete e assistente de supervisão em uma rede de cafés e restaurant­es, e ressalta que atrasos não são aceitos. “Os ingleses são muito rígidos tanto com o horário de começar quanto de encerrar o trabalho. Os clientes não podem ficar além do horário de fechamento da casa e são praticamen­te expulsos.”

Na empresa na qual trabalhou o tratamento entre o chefe superior e demais funcionári­os era bem próximo. “Mas não sei se em outras empresas é assim.”

Atenção “Para que a mudança tenha sucesso é preciso saber quais são as caracterís­ticas do ambiente corporativ­o do país escolhido” Leonardo Freitas CEO DA HAYMAN-WOODWARD

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M.F./ARQUIVO PESSOAL Distinto. Fernandes diz que diferença no ambiente corporativ­o é brutal
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Mariana. ‘A burocracia na Austrália é grande e os processos são longos’

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