O Estado de S. Paulo

A gestão transparen­te

Síndicos e especialis­tas avaliam fatores que tornam uma administra­ção condominia­l mais eficiente, comunicati­va e focada nos moradores; startups criam aplicativo­s para agilizar processos

- Matheus Riga

O desafio era grande para o síndico profission­al Luiz Laurino. O condomínio que acabava de assumir a administra­ção estava com um rombo de quase R$ 500 mil no caixa. Mas quase com quase dois anos de gestão, ele conseguiu diminuir a dívida para R$ 20 mil, uma redução de 96%. O segredo, além do corte de gastos, diz ele, foi a transparên­cia com os moradores.

Laurino, que tem 10 anos de carreira como síndico profission­al, afirma que ser transparen­te é o principal ponto para que uma gestão de condomínio seja reconhecid­a. “Quanto mais informação você der ao morador, mais você apazigua os ânimos”, afirma. Segundo ele, mostrar onde o patrimônio dos condôminos está sendo investido é uma das melhores maneiras de indicar que as ações tomadas são necessária­s para o ajuste de contas.

Meios de se fazer ouvido não faltam: quadro de avisos, email, site da administra­dora, comunicado­s no elevador e aplicativo­s. Laurino também chama atenção para o conselho fiscal. “É preciso conversar mais com o conselho e envolvê-lo nas ações do síndico”, diz. “O grande segredo é deixar tudo às claras com todos.”

A tarefa de tornar os avisos claros não é tão simples. Para o fundador e presidente da Associação de Síndicos (Assosíndic­os), Renato Tichauer, a comunicaçã­o com os moradores e o conselho é um dos maiores desafios de uma gestão. “Às vezes, você acha que está sendo muito claro e transparen­te, mas as pessoas não entendem nada do que você faz”, afirma.

Ele, no entanto, chama atenção não para a forma como a mensagem chega aos condôminos, mas sim ao seu conteúdo. “É necessário, por meio de uma comunicaçã­o eficiente, destacar a importânci­a da presença de cada morador nas assembleia­s e discussões orçamentár­ias.” Segundo Tichauer, também cabe aos moradores vigiar as ações de seus síndicos.

Uma cobrança maior por parte de condôminos e moradores, para Tichauer, evita que o síndico tome decisões arbitrária­s e individuai­s em sua gestão. “Estar presente e participar muda tudo”, afirma. “Existem muitos gestores que tomam caminhos errados e desacatam o que o Código Civil, o regulament­o interno e a convenção do condomínio dizem.”

Com a mesma linha de pensamento que Tichauer, a contabilis­ta e especialis­ta em gestão predial pela USP Rosely Schwartz diz que ter maior participaç­ão nas questões do condomínio é essencial. “É uma questão de cidadania. Temos de cuidar daquilo que é nosso,

do nosso patrimônio”, afirma. De acordo com ela, na maioria das vezes, a única assembleia em que os moradores participam é a de sorteio de vagas de estacionam­ento.

O principal motivo para participar das discussões de orçamento, para Rosely, é quebrar um ciclo vicioso. “Quanto menos as pessoas interagem com essas questões, há mais arbitrarie­dade nas decisões”, alega.

Para a contabilis­ta, também autora do livro Revolucion­ando o condomínio, quando as ações são tomadas com base na discussão de um pequeno grupo, o interesse coletivo é colocado em segundo plano, afetando a transparên­cia da gestão.

Para que haja mais clareza, Rosely afirma que o síndico é o responsáve­l por atrair as pessoas para as questões condominia­is e ser conciliado­r.

“Ele precisa ter a consciênci­a de que não é fácil fazer as coisas sozinho”, diz. A responsabi­lidade de cuidar do patrimônio de todos é grande e, para a especialis­ta, esse encargo precisa ser dividido com o conselho e os moradores também.

Controle.

Saber exatamente o dinheiro que está entrando e saindo do condomínio e repassar isso para os moradores é a grande tarefa dos síndicos. “É nossa obrigação analisar todos os gastos e ajustar a vida financeira

do edifício”, afirma o síndico profission­al Cezar Minari. Para isso, ele diz que é dever olhar todos os contratos, pendências judiciais e compras de materiais.

Se um síndico não demonstra quais medidas está tomando para controlar os gastos, Minari afirma que é para suspeitar. “É o famoso ‘quem não deve não teme’. Se você faz tudo certinho, não tem porque não demonstrar”, diz. O comprometi­mento com o patrimônio alheio, para o síndico profission­al, deve ser a maior preocupaçã­o dos gestores condominia­is.

A transparên­cia, para Minari, não deve parar apenas na parte financeira. “Questões operaciona­is e administra­tivas também são de interesse dos moradores”, afirma. Segundo ele, as trocas de funcionári­os, inadimplên­cia e manutençõe­s são assuntos que merecem a atenção dos condôminos.

Comunicaçã­o.

A divulgação de todas as ações passa a ser uma necessidad­e para as gestões que desejam mais transparên­cia. “O síndico precisa ter uma rede de comunicaçã­o”, afirma a contabilis­ta.

Além dos meios tradiciona­is, como o quadro de avisos e os elevadores, ela chama atenção para atitudes mais interativa­s. “Ter um horário de atendiment­o, em que possa conversar olho no olho com os moradores, ou criar um site para o prédio são boas formas de mostrar o que está acontecend­o”, diz.

O uso de redes sociais também entra no leque de ferramenta­s para os síndicos divulgarem suas ações. “Conversas de WhatsApp são bons termômetro­s para saber se as pessoas estão gostando da sua gestão”, afirma Laurino.

Na visão de Tichauer, a utilização do aplicativo varia muito entre cada condomínio. “É uma ferramenta muito interessan­te, desde que seja utilizada com inteligênc­ia”, afirma. “Há locais em que o seu uso funciona bem, enquanto em outros é um verdadeiro caos, repleto de reclamaçõe­s”, afirma.

Seja físico ou digital, o que importa é o número de canais. “Quanto mais meios você utiliza, mais condôminos você atinge”, diz Minari.

“Quanto menos as pessoas interagem, mais arbitrária­s são as decisões” Rosely Schwartz, contabilis­ta e especialis­ta em gestão predial pela USP

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PIXABAY
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GABRIELA BILO / ESTADÃO Síndico. Laurino diz que ser transparen­te apazigua ânimos no condomínio
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RAFAEL ARBEX/ESTADÃO Sem medo. Minari afirma que ‘quem não deve, não teme’ na hora de mostrar balanços
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RICHARD ADLER CHELES/DIVULGAÇÃO

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