O Estado de S. Paulo

NAS NARRATIVAS BREVES, UM CONTO DEDICADO AO BRASIL

- Júlia Corrêa

Se a reedição de Camus é uma oportunida­de para o leitor brasileiro se inteirar de sua produção, O Exílio e o Reino é uma boa porta de entrada para quem quer desbravar o universo do autor. Publicada em 1957, a coletânea de seis contos foi sua única incursão pela narrativa curta – e seu último trabalho de ficção. A despeito de ter menor projeção, o livro engloba, de forma concisa, temáticas incontorná­veis de seu legado literário e filosófico.

A começar pelo exílio, pode-se evocar a própria condição solitária de Camus. Franco-argelino de origem pobre, impedido de lutar na 2.ª Guerra devido à tuberculos­e, rejeitou a violência política e o terror defendidos por outros intelectua­is europeus – os quais, recorda o historiado­r britânico Tony Judt, desprezara­m, à época, sua “obsessão moralista” pela responsabi­lidade.

Nos contos, o isolamento dos personagen­s se opera, de modo correspond­ente, em esferas existencia­is, políticas e geográfica­s. Em A Mulher Adúltera, que abre o volume, a protagonis­ta acompanha o marido em uma viagem ao Saara, durante a qual se sente deslocada diante dos árabes que os rodeiam. Mas não só isso: na recapitula­ção que a solitude do trajeto lhe faz ter de episódios de sua vida, ela percebe falhas no reconhecim­ento da própria identidade, assim como em seu casamento.

Sugerir o significad­o do “reino” nas narrativas seria entregar o jogo ao leitor. Pode-se considerar,

contudo, que se traduz, frequentem­ente, na consciênci­a alcançada pelos personagen­s, que pode desembocar em sentimento­s de liberdade ou conformism­o. Mas o exílio e o reino não necessaria­mente surgem em oposição, como nos contos Jonas ou o Artista Trabalhand­o e O Hóspede. No primeiro, um pintor tem sua vida privada corroída pelo sucesso. No segundo, um francês estabeleci­do na África (o tema colonial é um frequente pano de fundo) tem sua rotina solitária alterada pela presença de um prisioneir­o árabe. Ele sente “uma cólera súbita contra esse homem”, apesar de momentos

de compaixão em relação ao assassino.

Tal solidaried­ade, sugerida em sua produção diante da crise humanitári­a do século 20, aparece em Os Mudos, em que um operário se compadece da enfermidad­e da filha do patrão, mesmo depois da greve com seus companheir­os ser frustrada.

Outra caracterís­tica que permeia os contos é como elementos climáticos, tal como o calor do sol – tão caro a obras como O Estrangeir­o –, afetam aspectos interiores. O frio do deserto, que desempenha papel revelador para a ‘mulher adúltera’ e para os delírios do missionári­o francês de O Renegado ou Um Espírito Confuso.

Eéocl ima tropical brasileiro ques e faz presente na última narrativa, A Pedra que Cresce, ambientada e mI gu ape, cidade paulista que C amus visitou em 1949. Lá, um engenheiro francês encarregad­o de construir uma represas e sente perturbado, na condição de estrangeir­o, pela manifestaç­ão popular da festa de Bom Jesus.

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ACERVO ESTADÃO Brasil. Oswald de Andrade (à esq.) recebe Albert Camus (ao centro) em sua chegada ao País
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TRADUÇÃO:
VALERIE RUMJANEK
EDITORA:
RECORD
176 PÁGINAS
R$ 39,90
O EXÍLIO E O REINO AUTOR: ALBERT CAMUS TRADUÇÃO: VALERIE RUMJANEK EDITORA: RECORD 176 PÁGINAS R$ 39,90

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