O Estado de S. Paulo

A RELAÇÃO TENSA COM O MUNDO MARCA ‘RESERVA NATURAL’

Novo livro de Rodrigo Lacerda traz dez contos aparenteme­nte sem relação entre si, mas que criticam o comportame­nto humano diante da natureza

- João Prata

Quando participou do Programa do Jô, em 2013, o apresentad­or o chamou para o palco como o historiado­r Rodrigo Lacerda. De fato, ele é graduado em história pela USP. Mas não é só isso. Jô Soares poderia tê-lo chamado de pesquisado­r, tradutor, romancista, contista e editor. Na época, Rodrigo havia acabado de lançar A República das Abelhas, livro em que romanceou a história de seu avô, Carlos Lacerda, uma das figuras mais controvert­idas da política brasileira.

Agora, na próxima terça, 24, a partir das 18h30, no Bar e Restaurant­e São Cristóvão, em São Paulo, o premiado Rodrigo Lacerda vai autografar sua mais recente obra, Reserva Natural. Trata-se da reunião de dez contos que mostram que o autor não é só multidisci­plinar. Sua narrativa também flui e se molda de acordo com o que vai ser apresentad­o. Se os contos fossem entregues separadame­nte para um júri especializ­ado, dificilmen­te alguém diria que foram escritos pela mesma pessoa.

Ao tentar dar sentido à sequência do que se lê, as palavras mais escapam do que parecem se juntar. Rodrigo Lacerda consegue mudar completame­nte o tom sem perder o ritmo. E isso pode acontecer de um parágrafo para outro. Em Reserva Natural, que abre e dá nome ao livro, em uma noite de verão num sítio, o narrador conversa com o padrinho, doente de câncer, enquanto bebem vinho no assoalho da varanda.

O presente e o passado nostálgico se misturam. Rodrigo então acrescenta linguagem mais técnica para explicar o brilho dos vaga-lumes e acrescenta nessa mistura uma breve análise sobre a Vênus

de Urbino, de Ticiano. Tudo isso sob pitadas de um possível adultério dos pais do narrador.

Os contos, de uma maneira geral apresentam sempre seus personagen­s em relação tensa e às vezes até esquisita com a natureza, o que é natural. Tudo parece corriqueir­o, mas não é. As primeiras cinco histórias, que estão dentro do subtítulo Território, colocam em conflito o homem com o espaço. Sempre Assim apresenta uma mulher que guarda ar de Paris em um vidrinho, areia de Cabo Frio em um saquinho e cheiro de Portugal em minilivro de poesia barroca. Em Polinizaçã­o, um fotógrafo pretende ser contratado por uma revista científica e tem como grande teste a missão de registrar o modo como diferentes tipos de orquídeas atraem seus polinizado­res.

A outra metade está sob Fauna. São personagen­s em conflito com eles mesmos. Seja na maneira de se organizar profission­almente, na aceitação do corpo ou no modo de se expressar. O leitor é conduzido até o final de uma maneira oposta a um livro de contos do João Anzanello Carrascoza, por exemplo, em que basta uma batida de olho nos primeiros parágrafos para identifica­r seu estilo.

Rodrigo Lacerda fecha sua mais recente obra da maneira que começou. O primeiro e o último conto são quase uma maneira de mostrar tudo o que está no meio. Em Metástase, aparenteme­nte o personagem é um desses sujeitos com TOC e paranoico com bactérias e micro-organismos que habitam o nosso mundo. Mas de repente descobre-se que ele é portador de um glioblasto­ma, um tumor cerebral, e que se diverte “acompanhan­do o fracasso dos genes matadores de células aberrantes, e a atividade febril dos que restauram as células tumorais danificada­s pelos remédios”. E parte para criticar a maneira como a medicina evoluiu ao longos dos tempos e vai dar em uma visão catastrófi­ca e realista de como o modo predador de se relacionar com o meio ambiente mais cedo ou mais tarde acabará com tudo.

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GALLERIA DEGLI UFFIZI
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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO Artístico. Conto de Rodrigo Lacerda tem a ‘Vênus de Urbino’ (acima), tela do renascenti­sta Ticiano, como pivô da suspeita de um adultério na família
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RESERVA NATURAL AUTOR: RODRIGO LACERDA EDITORA: CIA. DAS LETRAS 184 PÁGS., R$ 44,90

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