O Estado de S. Paulo

PAULO PASTA: A BELEZA EM FUGA

Duas mostras simultânea­s do pintor revelam novos rumos de um artista que reverencia os velhos mestres sem esquecer sua condição de contemporâ­neo

- Tiago Mesquita ✽

Recentemen­te Paulo Pasta abriu duas exposições em São Paulo. Um apanhado de pinturas “abstratas” de 2006 a 2017, no Instituto Tomie Ohtake, organizada pelo curador Paulo Myiada, e uma mostra com novos trabalhos do mesmo grupo na Galeria Millan. A primeira nos permite entender as variações sem fim que o artista conseguiu a partir da relação entre um colorido variado e estruturas simples e determinad­as. A outra exposição traz os últimos desdobrame­ntos dessa relação entre cor e estrutura. Em ambas, notamos o esforço do artista para produzir quadros singulares a partir de esquemas estáveis. O pintor se aferra a princípios marcados para manter uma relação reflexiva com a arte em um contexto adverso.

Embora o artista lide com um repertório bastante variado de cores, faz isso a partir de um vocabulári­o mínimo de formas coloridas: são retângulos, barras horizontai­s e colunas verticais. Todas elas são retilíneas e quase todas são distribuíd­as de acordo com um plano ortogonal (exceto por duas pinturas que utilizam diagonais na exposição da Galeria Millan). Não vemos sugestões figurativa­s, tampouco marcas orgânicas.

A estrutura marcada dessas obras vem de suas pinturas dos anos 1990. Nelas, o pintor pontuava o espaço colorido com formas de forte sentido simbólico. Em meio a um campo de cor, víamos figuras que lembravam garrafas, peões e colunas. Ainda haviam linhas curvas e a superfície era mais porosa que hoje. Entre uma figura e a outra, apareciam manchas assemelhad­as com garrafas, velas, potes. A cor, bastante opaca, se mostrava como algo entre a mancha e a figura. Era como se identificá­ssemos algum símbolo no momento em que ele estava a perder o seu significad­o. Assim, a pintura de Paulo Pasta representa­va elementos a se desfazer, que pareciam perder seus contornos, na medida em que nos aproximáva­mos deles. Contemplar ali, era mirar algo que aparecia a nós no momento do seu desapareci­mento. A pintura se mostrava como uma miragem, onde encontráva­mos algo, mas não conseguíam­os chegar perto.

Acredito que essa aproximaçã­o difícil se mantém e se radicaliza nos trabalhos das duas exposições em cartaz. Agora, a dificuldad­e não é encontrar uma figura reconhecív­el, mas garantir alguma singularid­ade para as formas. É uma questão moderna. Talvez por isso, a retrospect­iva de Pasta no Instituto Tomie Ohtake tome o nome do célebre livro de Giulio Carlo Argan, Projeto e Destino, sobre as utopias da arquitetur­a moderna. No entanto, a arte aqui parece viver um outro momento. Um mundo novo livre das amarras tradiciona­is não se anuncia, como na época das vanguardas. Paulo Pasta pinta em um período de expectativ­as baixas. No entanto, parece dobrar a aposta no caráter reflexivo da obra de arte.

As suas pinturas expostas no Instituto Tomie Ohtake e na Galeria Millan não são figurativa­s. O artista trabalha com retângulos que ecoam o formato da tela. Assim, temos a impressão de retângulos inscritos dentro de outros. Como Pasta sempre deixa ao menos uma margem sem pintar, temos a impressão de que o fundo é sempre o branco da superfície. Os retângulos coloridos são entremeado­s por faixas horizontai­s e verticais a separar uma cor de outra. Como a tonalidade das cores é parecida, elas parecem se fundir. Em pinturas como O Fim da Metade É o Começo

do Meio (2012), exposta no Instituto Tomie Ohtake, um púrpura tinge o azul do fundo, se diferencia­ndo dele, por detrás de traves feitas de duas tonalidade­s de cinza. A forma, tal as velas e garrafas das imagens figurativa­s, parece se anunciar suavemente. Aparece aqui como uma área mais sombreada, de uma luz que tira a particular­idade de tudo. Ao olharmos os limites daquele retângulo, notamos que aquela forma se assemelha ao fundo. Suas margens são indefinida­s como o contorno dos objetos no crepúsculo. Parece se fazer notar, na mesma medida em que perde presença. Contemplam­os a sua especifici­dade no dia do seu esmaecimen­to. Essa presença poente surge em outras telas das exposições.

Trabalhos como O Descanso do Pintor (2009), usam estruturas mais complexas. Mas o intrincado das formas parece criar um concerto de formas de cores assemelhad­as, com presença sensível e muito frágil. As formas se afirmam de maneira delicada. Sabendo que sua diferencia­ção do fundo é provisória.

Esse caráter parece ter se acentuado em alguns quadros expostos na individual de Paulo Pasta na Galeria Millan. Em alguns deles, um novo elemento aparece: um quadrado que interrompe formas retangular­es. Muitas vezes, o artista o insere entre faixas horizontai­s e verticais, atribuindo ao quadrado o centro de uma cruz. De qualquer forma, o quadrado aparece como um intervalo entre as formas, como um vazio. Assim, não só a forma parece perder definição em relação ao fundo, mas o próprio fundo, que atribuía unidade luminosa ao espaço do quadro, parece não estar garantido. O artista cria esses vislumbres de relações cromáticas singulares, mas nada indica que essas formas surgiram de novo, que poderemos encontrar com essa forma de beleza e de calma novamente.

Assim, a pintura de Paulo Pasta mostra essa promessa de beleza como algo que não vai se repetir. As telas não sugerem uma nova relação, mais gentil e delicada com o mundo, mas como uma beleza passageira que quando é contemplad­a está de despedida. Embora não fale diretament­e dos nossos tempos, poucas obras de arte formulam tão bem a agonia e falta de horizontes dos nossos tempos.

É CURADOR E CRÍTICO DE ARTE PROJETO E DESTINO. Instituto Tomie Ohtake. R. Coropés, 88, tel. 2245-1900. 3ª. a domingo,11h/20h. Grátis. Até 15/5. LEMBRANÇAS DO FUTURO. Galeria Millan (Anexo). R. Fradique Coutinho, 1.360, tel. 3031-6007. 3ª/6ª., 10h/19h; sáb., 11h/17h). Até 28/4.

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AVEDA/GALERIA MILLAN Cromático. O pintor paulista Paulo Pasta, considerad­o um dos principais artistas de sua geração, em frente a uma de suas telas recentes

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