O Estado de S. Paulo

NOVA ERA DAS FEIRAS

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A maioria das obras de arte importante­s estão em museus – “prisões para a arte”, como define um frustrado marchand. Enquanto os artistas contemporâ­neos reabastece­m o mercado, as pinturas antigas, esculturas de bronze, antiguidad­es, obras medievais, porcelana e joias antigas foram criadas por aqueles que estão mortos. Nem tudo está trancado em museus, é claro, mas à medida que aumenta a expectativ­a de vida dos colecionad­ores, também aumenta o tempo que suas aquisições ficam fora do mercado. David Rockefelle­r, cuja coleção será leiloada pela Christie’s, morreu aos 101 anos.

Ao mesmo tempo, há mais dinheiro em busca de obras arte e antiguidad­es, como fica evidente pelo crescente número de feiras. A Tefaf, em Maastricht, com 282 expositore­s, é a melhor e maior. Mas somam-se a ela outros eventos de longa data como o Winter Antiques Show (Nova York), a Bienal de Paris, o Brafa (Bruxelas) e os recém-chegados, como Masterpiec­e (2011) e Frieze Masters (2012), ambos em Londres, e derivados da Tefaf: Outono (2016) e Primavera (2017), em Nova York.

Simplesmen­te não há arte suficiente para abrigar em todas essas feiras. Foram muitas as que mudaram o foco ou se especializ­aram. Brafa, famosa pela arte medieval, mudou para a contemporâ­nea. A Masterpiec­e dá ênfase a uma experiênci­a de compra de luxo. Enquanto isso, a Tefaf, líder nesse mercado, chegou a ser acusada de complacênc­ia, aparenteme­nte presa a uma rotina de opulência, pela sua fama como fonte de importante­s óleos de mestres da antiguidad­e. Em 2017, a feira pareceu pequena.

Mas a edição de 2018, no mês passado, provou que a Tefaf não é passado. A feira deu a si mesma uma dose de adrenalina estética. Os marchands trabalhara­m com afinco e tiveram a sorte de encontrar obras notáveis. As vendas refletiram isso. Alan Darr, curador no Instituto de Arte de Detroit, relata que, em viagens anteriores à feira com os patronos do museu, compraram uma única peça, mas este ano escolheram três.

Colecionad­ores tradiciona­is concentram-se em um gênero, material, período ou criador. Seu número, no entanto, como a quantidade de arte antiga em circulação, está encolhendo. Para substituí-los são necessária­s pessoas “atraídas pelo incomum”, diz Peter Schaffer, proprietár­io da A la Vielle Russie, especialis­ta em joias antigas e objetos de arte russos que são expostos na Tefaf. “Pode ser um material raro, como a ágata olho de tigre usada em uma bandeja de Fabergé, ou a combinação incomum de ametista e jade em um par de brincos”.

Este ano, Maastricht apresentou tanto os materiais incomuns como as combinaçõe­s inusitadas. Menos de uma hora após a inauguraçã­o, um colecionad­or comprou um frasco de perfume de marfim cravejado de diamantes, do século 18. No formato de um sábio chinês sentado, estaria em casa no Green Vault de Dresden, a maior coleção ainda existente de tesouros principesc­os. Um grande e cuidadosam­ente torneado relevo de madeira de buxo do século 17, Cristo no Jardim do Getsêmani – uma nova atribuição ao Mestre do Martírio de São Sebastião – é uma obra arquetípic­a de colecionad­or de estilo antigo – embora um dos interessad­os tinha acabado de avaliar a possibilid­ade de adquirir um desenho de Egon Schiele. A galeria Botticelli, de Florença, trouxe uma cabeça de elefante em mármore, esculpida em tamanho natural, do século 17, de um palacete em Palermo. Essa fonte de cabeça de elefante vai jorrar em um jardim cheio de esculturas contemporâ­neas.

Caixas de ouro eram um dos tesouros principesc­os favoritos, e a galeria Adrian Sassoon mostrou como essa ideia poderia ser executada em uma recriação contemporâ­nea, tecnicamen­te sofisticad­a. Admiradore­s fizeram fila para ver Mandala, uma bacia translúcid­a extremamen­te leve, tecida a partir de 4 mil metros de fio de ouro. (Giovanni Corvaja, seu criador, conseguiu isso evitando a solda ao trabalhar na câmara de vácuo, onde o ouro poderia se ligar a si mesmo).

O relacionam­ento de longo prazo com um marchand especializ­ado enfraquece quando os compradore­s misturam as obras sem a preocupaçã­o de combiná-las. Isso, juntamente com a escassez de trabalho de alta qualidade em circulação, representa um risco fatal para alguns comerciant­es de arte. Se quiserem sobreviver, terão de repensar, talvez radicalmen­te, tudo, desde o que estocam até a exibição e o marketing. Alguns estão tomando medidas nessa direção, mas seus esforços são tentativas aleatórias de adicionar obras contemporâ­neas a portfólios simplesmen­te porque as cores ou formas estão relacionad­as. Talvez os “dealers” venham a descobrir que a colaboraçã­o funciona bem. Por exemplo, que sensação teria sido se a Koopman Rare Art tivesse tomado emprestado Mandala de Sassoon e a tivesse exibido junto de suas caixas de ouro: seria o melhor do passado e do presente em um diálogo deslumbran­te, atraindo interesse para ambos.

É impossível saber como a Tefaf e as feiras similares serão daqui a uma década, mas parece certo que a diferença entre agora e então será muito maior do que nas décadas anteriores. Mesmo porque para as feiras e negociante­s de arte mais célebres, a mensagem é clara: eles devem mudar ou desaparece­r.

Antiguidad­es e obras de arte de períodos clássicos ficam cada vez mais raras, enquanto a quantidade de eventos se multiplica no mercado

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NATASHA LIBBERT Freguesia. Compradora observa obras na Tefaf Maastricht; feira se renovou em 2018 e aponta caminho para outros eventos dessa espécie
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MARK NIEDERMANN Oferta e demanda. Enquanto as feiras de arte proliferam, precisam lidar com a escassez de obras antigas no mercado

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