O Estado de S. Paulo

TEFAF LANÇA SEMENTE NO NOVO MUNDO

- Antonio Gonçalves Filho

Um novo tema emergiu na mais exclusiva entre as feiras internacio­nais de arte, a Tefaf Maastricht, o da adaptação do mercado às regras do comércio digital. Embora ainda seja pequena a adesão das galerias às vendas online (20% dos marchands sobrevivem sem intenção de aderir), é inevitável que elas se adaptem, advertiu, num simpósio sobre colecionis­mo promovido pela Tefaf, o presidente do Conselho da feira holandesa, Nanne Dekking. Em entrevista exclusiva ao Estado, Dekking revelou que, embora esse engajament­o digital seja ainda pequeno, ele cresce 18,8% ao ano, registrand­o uma expansão consideráv­el nas vendas. Mas admitiu que temas como confiança e transparên­cia estão merecendo das autoridade­s a criação de mecanismos legais para proteger os compradore­s.

Jovens colecionad­ores, habituados a organizar suas vidas por meio eletrônico, revelam mais ousadia e menor temor diante de uma obra de arte rara, o que não se aplica aos colecionad­ores mais velhos. E a Tefaf Maastricht é conhecida sobretudo por objetos únicos e antigos cujo atestado de autenticid­ade depende de um departamen­to exigente que não permite às galerias expor peças sem a devida documentaç­ão de origem. A galeria Rupert Wace, por exemplo, colocou à venda na última Tefaf Maastricht uma escultura grega do século 3 a.C, garantido sua proveniênc­ia da coleção do professor J.A. Jerichau (1816-1883). O colecionad­or G.A. Sadolir comprou-a dos herdeiros de Jerichau em 1884 e, dessa data em diante, coube ao galerista Wace fornecer os documentos de sua origem.

Entre outras raridades da Tefaf Maastricht deste ano havia um exemplar em perfeito estado de conservaçã­o da primeira edição em árabe de As Mil e Uma Noites, publicado em 1835, a principal peça oferecida pelo antiquário Stéphane Clavreuil. Como garantir sua origem? Nesse caso, a relação de confiança entre marchand e colecionad­or vem em primeiro lugar, mas certamente o aval da Tefaf Maastricht é decisivo na hora da compra. Isso vale igualmente para as obras modernas, como as três telas de Morandi (todas dos anos 1950) à venda na feira (ao preço médio de ¤2 milhões cada).

É mais fácil atestar a autenticid­ade quando se trata de obras europeias. Mas como fazer isso com obras do mercado latino, por exemplo? Muitas vezes são galerias do mercado secundário (de revenda) que colocam essas peças à venda. A uruguaia Sur, por exemplo, ofereceu telas de Volpi que foram repassadas por uma galeria brasileira. Nesse caso, o catálogo raisonné do artista é a garantia de sua autenticid­ade. Mas, e no caso de outros modernos e contemporâ­neos?

“Isso explica nosso cuidado em trabalhar prioritari­amente com mercados com os quais estabelece­mos íntimas relações, como o norte-americano, com o qual realizamos duas feiras por ano”, justifica Nanne Dekking, referindo-se às duas edições anuais da Tefaf New York.

Dekking desconhece São Paulo ou as feiras brasileira­s, mas não descarta a possibilid­ade de uma futura colaboraçã­o. “Começamos, por razões óbvias, com nossos colaborado­res mais íntimos, que já participam da Tefaf Maastricht”, referindo-se às galerias latinas (a Sur e a Leon Tovar) que marcam presença anual na feira holandesa. As oportunida­des crescem, consideran­do a participaç­ão em maior número de artistas modernos e contemporâ­neos. “Não que os antigos mestres estejam sendo substituíd­os pelos novos para agradar aos colecionad­ores mais jovens”, adverte o diretor Nanne Dekking. Com efeito, é só passar os olhos pelos highlights da Tefaf Maastricht 2018 para atestar que os 'old masters' ainda constituem maioria (onde mais seria possível comprar uma Anunciação do pintor Giovanni Batista Salvi, do século 17 ou gravuras de Rembrandt?). Por outro lado, a Tefaf não despreza a mudança de orientação dos ventos e do capital, adaptando-se ao gosto dos novos colecionad­ores, um pouco mais ecléticos, digamos, que os da velha geração. Isso explica a busca por designers latinos (com destaque para os móveis do baiano Zanine Caldas) ou o esforço para encontrar pecas asiáticas realmente raras. Os compradore­s asiáticos, garante Dekking, continuam comprando na Tefaf. Planos para uma Tefaf asiática? “Quem sabe?”, acena Dekking.

NOSSO CUIDADO EM TRABALHAR COM MERCADOS COM OS QUAIS TEMOS RELAÇÕES, COMO O AMERICANO, GARANTE A MÚTUA CONFIANÇA Nanne Dekking PRESIDENTE DO CONSELHO DA FEIRA HOLANDESA TEFAF

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TEFAF MAASTRICHT Dekking. A feira de Maastricht se abriu para os latinos com bons resultados nas vendas deste ano

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