O Estado de S. Paulo

Diplomacia pessoal

- EMAIL: GILLES.LAPOUGE@WANADOO.FR MARTINO / TRADUÇÃO DE TEREZINHA

Emmanuel Macron é amado ou detestado, mas todo mundo está de acordo quanto a uma virtude que ele possui: coragem política. A viagem aos EUA é nova prova disso. O jantar entre os dois casais, Trump e Melania, Macron e Brigitte, será seguido por uma visita oficial. É neste ponto que podemos avaliar a audácia do jovem francês.

Entrar na jaula do leão, caminhar ao lado do ogro, desperta admiração. Outro obstáculo: as excentrici­dades de Trump, suas vulgaridad­es, suas mentiras, sua capacidade de renegar as próprias opiniões. É preciso ter nervos de aço para enfrentar a tempestade ininterrup­ta. Macron não só aceita, mas deseja isso – e muito. E não vai com a corda no pescoço, nem com a pistola na mão, mas utilizará suas armas favoritas: seu sorriso, sua juventude, a retórica que já lhe propiciou um lugar seleto nas reuniões de chefes de Estado. O francês tem uma capacidade de sedução fora do comum.

Macron seduzirá Trump? Os dois parecem viver em planetas opostos: um é força, violência e grosserias, o outro é a voz doce, elegante, serena. O americano não lê. Macron lê o tempo todo. Ama Faulkner e Flaubert. É um erudito.

Estranhame­nte, esses dois indivíduos sem nada em comum se apreciam. A simpatia mútua começou bruscament­e. Trump assistiu pela TV a posse de Macron, sua longa e silenciosa marcha na noite do Louvre. O americano ficou extasiado. No dia seguinte, declarou pelo Twitter: “Emmanuel é genial”.

Algumas semanas depois os dois se encontrara­m. Trump pregou uma peça no francês, um dos seus hábitos favoritos, impondo-se pela força física e triturando diante das câmeras de TV a mão elegante de Macron. O que sucedeu? Macron foi informado por seus diplomatas? Em todo caso, suportou o aperto de mão do gorila, sempre sorrindo e, no final, quem cedeu foi Trump.

Para o feriado de 14 de Julho, ele convidou Trump para assistir ao desfile militar em Paris, na Champs Elysées, com todos os soldados, as cores, toda a suntuosida­de. Para Trump, foi um espetáculo magnífico. À noite, os dois casais jantaram no restaurant­e Jules Verne, na Torre Eiffel. Um encanto! Melania e Brigitte ficaram amigas. Agora, a apoteose. Macron é o primeiro chefe de Estado estrangeir­o a ter direito a uma visita de Estado nos EUA de Trump.

Assim, dois seres díspares se viram seduzidos um pelo outro. Isto daria um belo romance. Mas ambos dirigem dois Estados importante­s. Ninguém tem dúvidas de que essa atração mútua se combina e se casa com as posições que ambos ocupam. A pergunta é por que Macron, tão controlado, entrou numa relação que alguns de seus diplomatas lhe desaconsel­haram. Macron, que não tem medo de nada, apenas riu. Mas qual a vantagem do encontro?

O fato é que, gostando ou não do americano, um chefe de Estado francês não pode lhe dar as costas. Deve jogar o jogo. Seria uma loucura, como fez François Hollande, fazer-se de difícil. E Macron repete continuame­nte que é preciso negociar sempre, conversar com qualquer um, até com o diabo, se necessário. Mesmo com seus inimigos. E Trump não é seu inimigo, mas seu amigo. Uma razão a mais.

E Trump? Sem dúvida, ele gosta do francês, mas não é só isso. Por suas provocaçõe­s, seus caprichos e seu desprezo, Trump destruiu muitos vínculos dos EUA. Fechou portas em razão de sua arrogância e imprevisib­ilidade. Ao mesmo tempo, alguns dos pilares da aliança com os EUA mudaram ou perderam autoridade. É o caso da Alemanha. A consequênc­ia é que a Europa está sem herdeiros. Sem piloto. Um único país pode retomar o papel: a França. E, para Trump, um Macron vale muito bem uma Merkel.

Macron e Trump parecem viver em planetas opostos, mas têm simpatia um pelo outro

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