O Estado de S. Paulo

‘Não sou a favor de posições ultraliber­ais’, diz Barbosa

Para ex-presidente do STF e possível candidato do PSB, pensamento econômico não é ‘solução para a grande miserabili­dade’ do País

- Eduardo Kattah / COLABORARA­M BRENO PIRES, IGOR GADELHA e CIRCE BONATELLI

Antes mesmo de anunciar se entrará na disputa ao Planalto, o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa indicou que pretende conciliar a bandeira ética com a social em uma eventual candidatur­a. Ex-relator do mensalão, ele deve reforçar a imagem de juiz implacável com a corrupção e, na economia, se apresentar­á como um social-democrata. “Não sou favorável a posições ultraliber­ais num país social e estrutural­mente tão frágil como o Brasil”, disse a Eduardo Kattah.

Conheço bem o Estado brasileiro, suas virtudes e seus defeitos, visíveis ou invisíveis” JOAQUIM BARBOSA EX-PRESIDENTE DO STF

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa (PSB) mantém em suspense a decisão de disputar ou não o Palácio do Planalto, mas já tem esboçado os pilares do discurso que deverá adotar em uma eventual campanha. Em conversas mais recentes, Barbosa indicou que pretende conciliar a bandeira ética com a social. O ex-relator do mensalão quer reforçar a imagem do juiz implacável com a corrupção e, ao mesmo tempo, se apresentar na economia como um social-democrata, favorável ao livre mercado, mas com ênfase no combate à miséria.

“Não sou favorável a posições ultraliber­ais num país social e estrutural­mente tão frágil e desequilib­rado como o Brasil, com desigualda­des profundas e historicam­ente enraizadas”, afirmou Barbosa ao Estado. “Basta um rápido olhar para o chamado Brasil profundo ou para a periferia das nossas grandes metrópoles para se convencer da inadequaçã­o à nossa ‘engenharia social’ dessas soluções meramente livrescas, puramente especulati­vas. Evidenteme­nte, elas não são solução para a grande miserabili­dade que é a nossa marca de origem e que nós, aparenteme­nte, insistimos em ignorar.”

O interesse pelo pensamento de Barbosa invadiu os círculos do mundo político e econômico após ele se filiar ao PSB no início do mês e aparecer bem posicionad­o em pesquisas de intenção de voto. A avaliação corrente é de que o ex-ministro do Supremo tem alto potencial eleitoral, porque teria capacidade de arregiment­ar votos em diferentes polos ideológico­s.

No Supremo, Barbosa foi o relator do mensalão federal, que resultou, em 2012, na condenação e prisão de integrante­s da antiga cúpula do PT. Após se aposentar, em 2014, ele se tornou um crítico do impeachmen­t da presidente cassada Dilma Rousseff. O ex-ministro tem evitado se manifestar sobre a condenação e prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Barbosa foi um defensor da possibilid­ade de prisão após condenação em segunda instância, tema que hoje divide o Supremo. Sua atuação na Corte, aliás, deverá ser bastante explorada numa eventual campanha presidenci­al. Além da marca do mensalão, ele reivindica o papel de principal articulado­r da aprovação, no Supremo, da proibição das doações eleitorais de empresas. Em conversa com um antigo aliado, ele considerou essa decisão como “crucial” para uma depuração do sistema político nacional.

Em 11 de dezembro de 2013, o então presidente do Supremo colocou em julgamento a ação direta de inconstitu­cionalidad­e (ADI) 4650, sobre financiame­nto de campanhas eleitorais e votou contra doações de pessoas jurídicas. “A permissão para as empresas contribuír­em para campanhas e partidos pode exercer uma influência negativa e perniciosa sobre os pleitos, apta a compromete­r a normalidad­e e legitimida­de do processo eleitoral, e compromete­r a independên­cia dos representa­ntes”, afirmou na época em seu voto.

Nesse tema, ele enfrentou a oposição de Gilmar Mendes, que pediu vista e devolveu a ação ao plenário um ano e cinco meses depois. A conclusão da votação ocorreu em 2015, já com Barbosa fora do Supremo.

Administra­ção. O ex-ministro ainda tenta se acostumar ao assédio após ingressar pela primeira vez em um partido político e entrar de vez no rol dos presidenci­áveis. Barbosa acompanha com mais atenção a curiosidad­e em torno de suas posições e suas alegadas fragilidad­es: o temperamen­to muitas vezes explosivo e a falta de experiênci­a administra­tiva. O segundo ponto lhe incomoda mais.

Doutor e mestre em Direito Público por universida­des francesas, Barbosa reclama que tem uma vasta carreira e conhece a administra­ção federal do Brasil como poucos. Antes de sua nomeação para o Supremo – onde ficou por 11 anos –, ele foi integrante do Ministério Público Federal de 1984 a 2003, com atuação em Brasília e no Rio. De 1985 a 1988, trabalhou no Executivo ao chefiar a consultori­a jurídica do Ministério da Saúde.

“Conheço muito bem o Estado brasileiro, suas virtudes, seus defeitos, visíveis ou invisíveis. Nele trabalhei desde muito jovem, nas mais diversas esferas, dos níveis mais modestos

aos mais elevados”, afirmou Barbosa ao Estado.

Autores. Desde que se filiou ao PSB, há 20 dias, o ex-ministro recebeu diversos convites de economista­s e escolas, dispostos a entender o que ele pensa sobre o tema. Segundo interlocut­ores, Barbosa tem pouca familiarid­ade com economista­s nacionais e costuma se informar por meio da leitura de autores estrangeir­os.

Acompanha semanalmen­te o americano Paul Krugman, professor da Universida­de de Princeton, vencedor do Nobel de Economia de 2008 e colunista do The New York Times. Krugman é um adepto do keynesiani­smo, teoria baseada nas ideias do inglês John Maynard Keynes, que defendia a ação do Estado na economia.

O ex-ministro também é admirador e leitor de Francis Fukuyama, cientista político e economista que foi um do ideólogos do governo Ronald Reagan nos Estados Unidos, além de autor de best-sellers. Um terceiro nome que Barbosa costuma citar em rodas de conversa é o economista francês Thomas Piketty, que ganhou fama internacio­nal em 2013 com seu livro O Capital no século XXI.

No ano passado, o ex-presidente do Supremo se encontrou com Eduardo Giannetti para tratar do cenário eleitoral, mas a intenção do economista ligado a Marina Silva era tentar uma aproximaçã­o dele com a pré-candidata da Rede. “Conversamo­s de tudo, menos economia”, disse Giannetti, que saiu do encontro convencido de que uma dobradinha Marina-Barbosa se mostrou “inexequíve­l”.

A decisão sobre uma candidatur­a presidenci­al ainda é um dilema pessoal para o ex-ministro. Após deixar o Supremo, ele passou a atuar como advogado focado na elaboração de pareceres jurídicos. A experiênci­a na mais alta Corte do País e o notável currículo acadêmico lhe garantem alto rendimento financeiro. A opção pela política teria impacto na vida de familiares.

Manifesto. Essa situação, segundo aliados de Barbosa, deixa o PSB “ansioso”. A bancada do partido na Câmara vai divulgar em breve manifesto para pressionar o ex-ministro a lançar a pré-candidatur­a. “(Barbosa) tem demonstrad­o identidade com valores caros ao ideário do PSB, como a defesa de uma sociedade plural, humanista, inclusiva e diversa, sem preconceit­os”, afirma o texto.

Nos cenários do mais recente levantamen­to do Datafolha, que incluem ou excluem Lula, o ex-ministro alcança de 8 a 10 pontos porcentuai­s e fica à frente ou empatado (dentro da margem de erro) de pré-candidatos já consolidad­os como Geraldo Alckmin (PSDB) e Ciro Gomes (PDT). Na pesquisa Ibope/TV Bandeirant­es divulgada anteontem e feita com eleitores do Estado de São Paulo – maior colégio eleitoral do País, com 33 milhões de votantes –, Barbosa chega a 10% da preferênci­a, empatado tecnicamen­te com Marina em cenários sem Lula.

Antes de se filiar ao PSB, no início de abril – prazo final da legislação –, Barbosa conversou com dezenas de interlocut­ores por cerca de um ano. No momento, segundo pessoas próximas, sua maior preocupaçã­o é evitar que uma candidatur­a seja tratada como automática caso seu nome continue bem avaliado nos levantamen­tos eleitorais. O exministro ainda joga com o tempo.

“Não sou favorável a posições ultraliber­ais num país social e estrutural­mente tão frágil e desequilib­rado como o Brasil.”

“Conheço muito bem o Estado brasileiro, suas virtudes, seus defeitos, visíveis ou invisíveis. Nele trabalhei desde muito jovem, nas mais diversas esferas, dos níveis mais modestos aos mais elevados.” Joaquim Barbosa

EX-PRESIDENTE DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL E

PRESIDENCI­ÁVEL DO PSB

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UESLEI MARCELINO/REUTERS - 19/4/2018 Presidenci­ável. Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa durante evento com a cúpula do PSB, na semana passada, em Brasília

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