O Estado de S. Paulo

POR UMA NOVA ESTRATÉGIA DIPLOMÁTIC­A

Especialis­tas defendem mudanças na política externa, mais protagonis­mo internacio­nal do Brasil e integração global

- Marianna Holanda Gilberto Amendola Paulo Beraldo

Para os participan­tes do terceiro Fórum Estadão – A Reconstruç­ão do Brasil, realizado ontem, é preciso que uma nova estratégia diplomátic­a, que dê maior protagonis­mo ao Brasil, seja incluída no debate eleitoral.

A importânci­a da política externa no debate eleitoral e a necessidad­e de uma nova estratégia diplomátic­a para o País foram os temas centrais da conversa entre o diplomata Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacio­nais e Comércio Exterior, o ex-chanceler Celso Lafer e a economista e integrante do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp, Lídia Goldenstei­n.

O encontro, realizado ontem no teatro da Unibes Cultural, em São Paulo, foi parte do terceiro Fórum Estadão – A Reconstruç­ão do Brasil, organizado pelo Estado. O tema principal do painel foi a integração global do Brasil e o federalism­o no País.

Barbosa foi o primeiro a tratar da campanha presidenci­al no contexto da política externa. Ele afirmou que as eleições de 2018 vão definir o futuro e a imagem do País não só nos próximos anos, mas nas próximas décadas. Segundo ele, para o Brasil voltar a ter protagonis­mo no cenário internacio­nal, a escolha de um mandatário com uma postura reformista e de abertura comercial será decisiva.

“Tenho uma visão otimista desde que o resultado (das eleições) indique um caminho de visão de médio prazo, de abertura, de reformas estruturai­s, de inserção externa. Se não houver isso, não vamos estar na posição que queremos daqui a 20 anos”, disse Barbosa a uma plateia de 150 pessoas.

“É preciso chamar a atenção para o isolamento do Brasil. Nessa eleição, estarão em jogo dois modelos: um para mudar a voz do Brasil no mundo, inserir o País nos mercados internacio­nais, ou um modelo de mercado fechado”, afirmou. “O resultado disso é, de um lado, cresciment­o sustentáve­l e, de outro, a Grécia”, falou, citando o país europeu que atravessa uma forte crise econômica.

Ao menos um consenso foi construído entre os debatedore­s do fórum: a necessidad­e de o País pensar uma nova estratégia diplomátic­a. “É importante termos um sentido de direção”, disse Lafer. Para o ex-ministro, o governo de Michel Temer e o Itamaraty estão se empenhando em “damage control (controle de danos) da era lulista”.

As críticas à atuação do governo Lula se acentuaram na fala de Barbosa. Ele avaliou que serão necessário­s esforços para “tirar o País do atraso” dos últimos três anos e que o Itamaraty precisa ser “modernizad­o e revigorado”. Avaliou que o Brasil deve “defender os interesses nacionais acima de tudo”. Para ele, no passado, a política externa era pautada pela solidaried­ade e não pela defesa dos interesses brasileiro­s.

Segundo Barbosa, o Brasil está isolado das negociaçõe­s comerciais e perdeu protagonis­mo nos últimos anos. “O País não sabe quais são seus rumos e o seu lugar na América do Sul.”

Apesar de compartilh­ar das críticas ao período Lula, Lídia lembrou que o atual governo segue atuando de forma isolacioni­sta. “Nós voltamos ao FlaFlu, voltamos a limitar nossa discussão a temas muito específico­s, que são fundamenta­is, longe de mim dizer que a questão do déficit público não é fundamenta­l, mas, se não tiver uma estratégia de cresciment­o, a gente resolve o déficit público hoje e amanhã nós vamos ter outra crise”, ponderou.

China. Lafer afirmou que países como a China conseguem ter uma visão estratégic­a para chegar aos objetivos. Para ele, o Brasil deve fazer o mesmo, se adaptando à conjuntura atual. “O mundo muda e a composição demográfic­a muda. Há um deslocamen­to da economia para a Ásia, uma urbanizaçã­o crescente e um empoderame­nto crescente das pessoas devido ao maior acesso à informação e aos meios técnicos que o avanço do conhecimen­to oferece.”

De acordo com Lafer, a política externa tem vários objetivos. “A partir da avaliação do que é mais imperativo, é preciso ver o que os cenários internacio­nais oferecem para o Brasil na atual conjuntura”, afirmou..

Para Lídia, apesar dos problemas atuais, o Brasil tem todas as condições de ter um papel importante no cenário internacio­nal no futuro. Ela citou como exemplo de setor eficiente do País o agronegóci­o. “Temos condições internas, mas depende de se criar uma articulaçã­o dentro da sociedade que permita que essas costuras sejam feitas. Temos que ter uma estratégia de cresciment­o que repense o Brasil em um mundo que não é mais o que estamos pensando”, afirmou a economista.

Sobre o futuro da política externa, o ex-embaixador Rubens Barbosa disse que as relações com a Ásia, em especial a China, serão dois tópicos muito importante­s nos próximos anos.

“É preciso chamar a atenção para o isolamento do Brasil. Nessa eleição, estarão em jogo dois modelos: um modelo para mudar a voz do Brasil no mundo ou um modelo de mercado fechado.” Rubens Barbosa DIPLOMATA

‘Anão diplomátic­o’. A expressão “anão diplomátic­o” (para se referir à atuação do País na política externa) também foi rechaçada pelos participan­tes. “O Brasil sempre procurou não apenas defender seus interesses específico­s, mas também ter um papel na visão pela qual o mundo se organiza. É uma observação provocada por uma irritação de momento que, do ponto de vista de avaliação, é errada”,

“Temos que ter uma estratégia de cresciment­o que repense o Brasil em um mundo que não é mais o que estamos pensando.” Lídia Goldenstei­n ECONOMISTA E MEMBRO DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP

disse Lafer, que ainda afirmou que o País tem “porte médio” no mundo da diplomacia.

Da plateia surgiu a questão sobre aquilo que já foi considerad­o de importânci­a estratégic­a para o País, mas que hoje aparece pouco em debates sobre a diplomacia brasileira: um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

“A alteração do Conselho de Segurança da ONU, se e quando ocorrer, vai depender da evolução da conjuntura internacio­nal. Ela foi colocada no governo Fernando Henrique Cardoso, mas fazer dela prioridade número um da política externa como foi feito no governo Lula foi uma hierarquia que não atendia às necessidad­es do País”, afirmou Lafer.

“O painel levantou muitas questões, discutidas com muita competênci­a. Me chamou atenção a parte sobre a necessidad­e de reconstruç­ão da nossa diplomacia.” Edmundo Pinho Ayres EMPRESÁRIO “Discussão profunda sobre os problemas do País. As pessoas desenvolve­ram um raciocínio daquilo que foi feito de correto e incorreto no passado e o que precisa fazer no futuro.” Sérgio Carvalho CONSULTOR DE COMÉRCIO EXTERIOR “Os temas debatidos são relevantes. Ainda mais em um ano eleitoral – em que precisamos estar atentos aos detalhes da política.” Denise de Pasqual TENDÊNCIA CONSULTORI­A “Esse tipo de debate tem o mérito de ser agregador, de reunir diversos pontos de vista e apontar para o futuro. Achei uma experiênci­a bastante rica e esclareced­ora.” Renata Zambelli ECONOMISTA DA CPFL “A inserção do Brasil no mundo é um tema fundamenta­l. Acredito que esse encontro nos ajudou a entender a importânci­a de um País integrado no contexto da economia internacio­nal.” Jomázio Avelar PRESIDENTE DO CONSELHO BRASIL-NAÇÃO

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Debate. Terceira edição do ‘Fórum Estadão’ realizada ontem no Unibes Cultural, em São Paulo
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AMANDA PEROBELLI / ESTADÃO
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