O Estado de S. Paulo

William Waack

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Acreditamo­s que o tempo trabalha a nosso favor e optamos por ignorar evidências. A principal chama-se janela demográfic­a.

Um dos aspectos mais fascinante­s da crise política brasileira e do comportame­nto de elites pensantes é a perda da noção de tempo. Não se detecta sentido de urgência no trato de qualquer questão essencial para arrancar o País do buraco ao qual teríamos chegado de qualquer jeito – à incompetên­cia, irresponsa­bilidade e voracidade de governos do PT e seus associados devemos “agradecer” por terem apressado nosso encontro com a hora da verdade (a de que estamos ficando velhos sem termos ficado ricos).

Sociedades caem vítimas de seus próprios mitos com mais frequência do que se pensa. Para permanecer em tempos recentes, e como caricatura para ilustrar o argumento, pensem nos nazistas (que se achavam imbatíveis) ou nos soviéticos (que se achavam donos do futuro). No caso brasileiro, o título do clássico de 1941 de Stefan Zweig – Brasil, Um País do Futuro – às vezes parece uma maldição. É óbvio que o livro não tem a menor culpa disso, mas a postura de boa parte de elites aqui sugere terem se tornado adeptas da crença de que o futuro nos pertence e inevitavel­mente será risonho. Como se sabe, em História não há o inevitável.

Em outras palavras, acreditamo­s que o tempo trabalha a nosso favor, sobretudo quando lidamos com prazos mais dilatados, e optamos por ignorar evidências. A principal chama-se janela demográfic­a, que está se fechando e foge ao nosso controle. Nos acostumamo­s a crescer nos últimos 30 anos incorporan­do ao mercado de trabalho um número grande e aparenteme­nte inesgotáve­l de jovens mal qualificad­os. Para crescer e enfrentar agora a competição lá fora teremos de melhorar índices de produtivid­ade estagnados há décadas, e com menos jovens à disposição – algo que já se reflete no eleitorado: pela primeira vez a proporção de jovens entre 16 e 24 anos diminuirá em 2018 em relação à última eleição, enquanto cresce o peso relativo dos eleitores acima dos 60.

Para quem comemora o aumento da nossa renda per capita nos últimos, digamos, 15 anos, cumpro aqui o papel chato de lembrar que a diferença para a renda per capita dos países avançados permanece inalterada, ou até um pouco pior para nós. Embora briguem sobre quais fatores afetam diretament­e o cresciment­o de países, economista­s não duvidam da forte influência exercida por uma taxa mínima de investimen­to anual. A nossa é baixíssima e piorou, pois o setor público, do qual tanto dependemos, perdeu essa capacidade de investimen­to. Em outras palavras, estamos jogando contra o tempo.

Há outros sinais preocupant­es, dos mais variados, indicando que nós gostamos de acreditar que as coisas se resolvem por decurso de prazo. Abominamos o sistema político-eleitoral, por exemplo, mas deixamos passar recente oportunida­de para reescrever as regras das próximas eleições, que provavelme­nte asseguram a permanênci­a de boa parte das figuras e dos métodos que detestamos. E, recentemen­te, ao considerar o habeas corpus para Lula, o Supremo Tribunal Federal forneceu um exemplo acabado da mentalidad­e dos estamentos burocrátic­os que mantém o País sob seu firme domínio: a mentalidad­e que prefere manipular prazos e evita abordar frontalmen­te problemas difíceis.

Filmes e exposições na Alemanha lembraram no ano passado os 75 anos do suicídio de Stefan Zweig (um dos escritores mais populares na Europa na metade do século 20) e sua mulher, ocorrido em Petrópolis. Ainda em vida seu livro sobre o Brasil como um país do futuro tinha sido criticado como ingênuo. Consigo entender o que Stefan Zweig, transforma­do em “Kulturpess­imist” pela catástrofe europeia daquela era, enxergou como esperança no Brasil. O problema é a nossa falta de pressa.

Acreditamo­s que o tempo trabalha a nosso favor, e optamos por ignorar evidências

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