O Estado de S. Paulo

No balaio da inseguranç­a

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A 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) não parece especialme­nte preocupada com segurança jurídica.

A2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) não parece especialme­nte preocupada com a segurança jurídica. Na terça-feira passada, por maioria, os ministros da 2.ª Turma decidiram remeter à Justiça Federal de São Paulo os termos das colaboraçõ­es premiadas de diretores da Odebrecht referentes às despesas do sr. Lula da Silva.

Ainda que o âmbito da decisão da 2.ª Turma seja bem restrito – decidiu apenas qual é o juiz competente para analisar o material relativo a oito delações da Odebrecht, nas quais se relata o repasse ilegal de verbas para custeio de despesas do ex-presidente petista –, foi uma mudança de posicionam­ento em seara especialme­nte delicada, pois a decisão original atribuía à 13.ª Vara Federal de Curitiba a competênci­a para considerar as provas em questão. E tal modificaçã­o ocorreu no julgamento de embargos de declaração, um recurso que, em tese, serviria apenas para esclarecer algum aspecto da decisão, não para alterá-la.

Tem-se, assim, mais uma mostra da instabilid­ade da Suprema Corte, em frontal oposição ao seu papel institucio­nal de oferecer orientação segura a todo o Poder Judiciário. Nos últimos tempos, suas atuações aportam mais dúvidas do que certezas ao ordenament­o jurídico, confundind­o as instâncias judiciais inferiores e a própria população.

A rigor, a decisão da 2.ª Turma tem um único efeito prático: o juiz Sérgio Moro não poderá usar aquelas delações da Odebrecht para julgar os processos que estão sob sua competênci­a. No entanto, o clima de inseguranç­a e confusão é tal, alimentado pela própria Suprema Corte, que circulou a interpreta­ção de que os ministros do STF estariam livrando o sr. Lula da Silva do petrolão, o que é infundado. Também houve vozes afirmando que, com a decisão da 2.ª Turma, a Suprema Corte estava fazendo uma reavaliaçã­o de todas as competênci­as da Lava Jato, o que poderia suscitar uma baciada de nulidades processuai­s. Seria a brecha para a impunidade do ex-presidente petista e de tantos outros condenados por corrupção.

Essas reações à decisão da 2.ª Turma extrapolam os fatos. O cumpriment­o rigoroso das regras processuai­s não prejudica em absoluto o trabalho da Lava Jato. Na realidade, o julgamento dos embargos de declaração serve como um alerta, sempre oportuno, para que o Ministério Público trabalhe de forma consistent­e, sem improvisaç­ões, dentro de um marco jurídico seguro. O resto é fumaça.

Competênci­a penal é assunto de grande relevância num Estado de Direito. Ela assegura que a função jurisdicio­nal seja exercida de forma isenta. O Estado, na sua função de julgar, não pode ser arbitrário. Deve seguir procedimen­tos previament­e definidos. Também por isso, nem o réu nem o Ministério Público podem escolher o juiz que conduzirá o processo. O respeito às regras processuai­s é, assim, requisito imprescind­ível para a realização da justiça.

Se os critérios definidos em lei determinam que a 13.ª Vara Federal de Curitiba é o juízo competente para julgar um processo, não cabem dúvidas de que é lá que ele deve ser julgado, por mais que algum réu esperneie para sair da competênci­a do juiz Sérgio Moro. E se a lei diz que o processo deve estar em outra vara, seja em Brasília ou em São Paulo, é lá que ele deve estar. O maior aliado para o combate à impunidade é, por óbvio, o respeito à lei.

Também não contribuem para uma Justiça imparcial os comentário­s de ministros do STF fora dos autos a respeito de processos em julgamento. Durante evento em São Paulo, o ministro Gilmar Mendes afirmou que “é preciso discutir se os dois crimes a que ele (Lula

da Silva) foi condenado são realmente dois crimes”, referindo-se à corrupção passiva e à lavagem de dinheiro. Outros ministros também são habitués na arte de comentar além do que se deve. A proibição da Lei Orgânica da Magistratu­ra é expressa. Magistrado não pode manifestar opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, “ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério” (art. 36, III).

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