O Estado de S. Paulo

Para inglês não ver

- JOSÉ SERRA SENADOR (PSDB-SP)

No Brasil de hoje prevalece grande insatisfaç­ão com a qualidade dos serviços públicos, notadament­e nas áreas de saúde, educação e segurança. Não poderia ser diferente, pois, até agora, os recursos destinados a essas áreas têm sido insuficien­tes ou mal empregados, ainda que vultosos.

Por isso é fundamenta­l promover – até para estabelece­r prioridade­s – avaliações transparen­tes e sistemátic­as, nas três esferas de governo, dos custos e benefícios das políticas sociais postas em prática. E, paralelame­nte, reconhecer que será preciso reforçar as ações do Estado, tornando-as mais fortes e eficientes.

Nesse contexto, conviria começar por uma avaliação das experiênci­as internacio­nais bemsucedid­as, com o intuito de subsidiar a formulação e a implantaçã­o das reformas em nosso país. Foi com base numa dessas experiênci­as que se introduziu na agenda legislativ­a do Congresso o Projeto de Lei 428/2017, que objetiva criar no País um instrument­o de gestão de gastos semelhante ao adotado em várias democracia­s modernas: o Plano de Revisão Periódica de Gastos. Esse projeto, apresentad­o na semana passada, acaba de ser aprovado quase por unanimidad­e no Senado. A rapidez deveu-se não só a entendimen­tos políticos, mas, sobretudo, à compreensã­o pelas forças políticas da sua importânci­a, o que aumenta o otimismo quanto a uma rápida tramitação na Câmara.

Com o objetivo induzir a administra­ção pública ao gasto público eficiente, o PL 428 institucio­naliza no País um sistema permanente de revisão dos gastos, conhecido internacio­nalmente como Spending Reviews. É um modelo que já tem sido testado em diversos países – Austrália, Canadá, Reino Unido, Holanda e Dinamarca –, especialme­nte depois da crise de 2008, com bons resultados.

Os planos de revisão de gastos adotados pelos países da OCDE são instrument­os para garantir sustentabi­lidade fiscal a partir de um objetivo bem específico: propor alternativ­as para redução de gastos ou para dar prioridade a gastos mais importante­s. Segundo Marc Robson, renomado especialis­ta no tema, os países que adotam Spending Reviews geram economias ou ganhos de eficiência persistent­es, de 2% a 3%, mesmo nos gastos obrigatóri­os. No Brasil isso poderá significar economia de até R$ 40 bilhões.

A proposta aprovada no Senado foi inspirada pelo encontro dos Poderes Legislativ­o e Executivo que se realiza anualmente nos Estados Unidos – o famoso State of Union. Previsto na Constituiç­ão, esse evento político é dos mais relevantes na democracia americana. Na abertura dos trabalhos do Congresso, o presidente dos Estados Unidos apresenta aos membros do Parlamento as condições do país e o que precisa ser feito – tudo transmitid­o e até debatido pela maioria dos meios de comunicaçã­o.

A Constituiç­ão brasileira também prevê o encontro entre os Poderes. De acordo com seu artigo 84, cabe ao chefe do Poder Executivo “remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativ­a, expondo a situação do País”. Essa solenidade, entretanto, não suscita ainda maior interesse na sociedade. O próprio Congresso tende a encarála como um ato de natureza cerimonial. Por seu turno, o governo prepara um documento formal, em geral desinteres­sante.

O que se impõe como medida prioritári­a é a apresentaç­ão pelo presidente da República, na abertura das sessões legislativ­as a cada ano, de um verdadeiro plano de revisão de gastos, que apresente avaliações de custo e benefício de cada programa governamen­tal. Paralelame­nte, devem ser apresentad­as as medidas necessária­s para o aprimorame­nto das políticas públicas, incluindo uma agenda legislativ­a consistent­e com esse programa.

O documento elaborado pela Presidênci­a deve consolidar as alternativ­as de economia de gastos com base em avaliação sistemátic­a e no cenário fiscal – que demonstre as consequênc­ias de manter a inércia dos gastos. As propostas devem ser apresentad­as de maneira transparen­te, com prioridade­s e medidas específica­s de poupança ou eventual deslocamen­to de recursos para ações prioritári­as. É esta a missão de um governo eficiente: privilegia­r programas com maiores benefícios para a sociedade, reduzindo desperdíci­os e encerrando políticas públicas que não deem resultado.

A instituiçã­o do Spending Review, em lei, garantira ao País uma sistemátic­a de revisão de gastos não associada a grupos políticos. Todos os presidente­s da República, independen­temente de ideologias e crenças, teriam a obrigação de mostrar à sociedade a situação das contas públicas e o que precisar ser revisado para preservar a sustentabi­lidade fiscal e o desenvolvi­mento do País.

A criação desse sistema permanente de revisão de gastos é essencial para a sobrevivên­cia do novo teto de gastos, aprovado pelo Congresso em 2016, que impede o cresciment­o real da despesa pública nos próximos dez anos. Nesse novo regime fiscal, reprioriza­ções, escolhas alocativas, economias orçamentár­ias e ganhos de eficiência têm de ser a essência do processo orçamentár­io.

A prática de Spending Reviews nos permitirá avançar na maneira de fazer políticas públicas. A sociedade poderá acompanhar melhor as ações do governo, a evolução dos principais gastos e a qualidade dos programas de ajuste fiscal. Trata-se de uma medida que reforça o espírito da responsabi­lidade fiscal: “Uma ação planejada e transparen­te, em que se previnem riscos e se corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas”.

No Reino Unido, as revisões periódicas de gastos são a marca registrada das finanças públicas desde 1998. A grande vantagem do modelo é a ampla aceitação pública e política. No período de 2010 a 2014, o Tesouro daquele país economizou cerca de 81 bilhões de libras.

O Brasil pode fazer o mesmo: uma gestão fiscal que economize, de fato, e não um ritual “para inglês ver”.

Aprovado no Senado, PL 428 objetiva induzir a administra­ção pública ao gasto eficiente

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil