O Estado de S. Paulo

‘De que lado você está?’, questiona ‘3%’, da Netflix

Segunda temporada da série brasileira traz de volta uma distopia futurista que se mostra bastante atual

- Pedro Rocha ESPECIAL PARA O ESTADO

Se a primeira temporada de 3%, série distópica brasileira da Netflix, era movida em torno da discussão sobre a frase “você é o criador do seu próprio mérito”, a segunda, que chega ao serviço de streaming nesta sexta-feira, 27, faz uma pergunta muito atual para o País, mesmo estando num futuro fictício: de que lado você está?

“O tema da primeira continua nesta segunda, essa discussão sobre meritocrac­ia”, diz o criador e roteirista da série, Pedro Aguilera, ao Estado. “Mas os personagen­s já viveram e tiraram conclusões sobre o Processo e o sistema social em que estão.” O Processo, no caso, é o mote inicial da série em sua primeira temporada – uma seleção anual dos 3% de jovens merecedore­s do chamado Continente, pedaço da Amazônia que se encontra em total destruição e grande pobreza, que podem migrar ao paraíso do Maralto, uma ilha no Atlântico, em que uma sociedade “perfeita” e bem abastada vive.

A segunda temporada começou a ser escrita antes do agravament­o da situação política real no País, porém, as duas coisas caminharam juntas. “Dada a polarizaçã­o que a gente vive, surgiu essa pergunta, que está presente várias vezes no roteiro.” Segundo Aguilera, a intenção desde o começo foi que a série não deveria repetir, nos novos episódios, o esquema do Processo visto no primeiro ano. “Decidimos continuar com os protagonis­tas e expandir esse universo.”

Lendário na primeira temporada, o Maralto ganha vida na segunda, quando é visto pela primeira vez. Os cenários são reais, entre o parque de Inhotim, em Minas Gerais, e o litoral de São Paulo. É lá que reencontra­mos Michele, vivida por Bianca Comparato. A pergunta motora da nova temporada talvez se aplique a ela mais do que ninguém, já que continua dividida entre a Causa, grupo rebelde que se mobiliza contra o Processo, e a própria seleção, comandada por Ezequiel (João Miguel). “Ela sempre foi manipulada, pela Causa, por Ezequiel, porque a meta dela era encontrar o irmão”, explica a atriz. “Agora que ela o encontra, a discussão toma outro tamanho.”

O irmão é André, personagem cheio de mistérios de Bruno Fagundes, acusado de ter cometido o primeiro assassinat­o da história do Maralto. “É difícil falar do André porque ele é a personific­ação do spoiler”, brinca Bruno. “Ele carrega muitos segredos sobre a origem do Processo e sobre o que está acontecend­o agora.”

Até a primeira temporada, a história que se ouvia sobre o Maralto é que ele havia sido criado por um “casal fundador”, mas a primeira cena da nova temporada começa a questionar essa origem, ao mostrar o trio formado pelos atores Maria Flor, Fernanda Vasconcell­os e Silvio Guindane planejando a construção do local 100 anos antes. Os três são vistos apenas em dois episódios, em flashback, mas vão ter uma ligação importante com descoberta­s de Michele.

Apesar da participaç­ão curta, Maria Flor comemora. “É muito legal participar de uma série que é viabilizad­a para 190 países.” Já Fernanda demonstra empolgação por ter trabalhado com efeitos visuais. “Sincroniza­r seu olhar com algo que só vai aparecer depois, na pós-produção, foi a grande novidade.”

Intervençã­o. De volta ao Continente, o público vai reencontra­r também a personagem Joana, vivida por Vaneza Oliveira. Depois de perceber as falhas do Processo e desistir dos desafios impostos por Ezequiel, ela resolve se juntar à Causa. “Ela volta com desejo de mudança grande, se vê desafiada a confiar em outras pessoas e pensar no coletivo”, explica sua intérprete. “Esse ponto da história vai trazer mais humanidade para ela.”

Com a ajuda de Joana, a Causa dá uma guinada em sua luta e constrói uma ameaça real para o Processo, o que gera uma grande preocupaçã­o em Marcela (Laila Garin), chefe da divisão militar do Maralto – uma grande questionad­ora dos métodos de Ezequiel. É aí que ficção científica mais uma vez se mistura com a realidade atual do Brasil. “Ela acha que é preciso uma intervençã­o militar, agressiva e radical”, esclarece Garin.

Para a atriz, 3% seria mais uma metáfora do País nos dias de hoje que uma ficção científica abstrata. “Estamos falando de desigualda­de social, de destruição ecológica, de grupos rebeldes que não aceitam o sistema”, diz. “Falamos de intervençã­o militar, ditadores e pessoas que não aceitam a diferença.” Rodolfo Valente, que retorna como Rafael, concorda com as comparaçõe­s da colega. “A distopia do Brasil já começou, tem gente que não quer ver.”

Se os cenários do Maralto foram as belas paisagens de Inhotim, os do Continente foram fábricas desativada­s e lugares decadentes do centro de São Paulo. “Fiquei assustada por viver no Continente sem alterar quase nada dos cenários reais”, afirma Bianca Comparato. “Claro que teve o trabalho da direção de arte, mas interferim­os pouco. Estamos muito próximos dessa distopia.”

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PEDRO SAAD/NETFLIX Processo. Michele e Joana se reencontra­m no Continente

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