O Estado de S. Paulo

Vírus da zika pode eliminar tumor cerebral

Estudo mostra que mecanismo que causa problemas como a microcefal­ia também permite ataque seletivo a células do cérebro com tumor

- Fábio de Castro

Pesquisado­res da USP mostram que os mesmos mecanismos que dão ao vírus da zika a capacidade de causar problemas neurológic­os graves, como a microcefal­ia, também permitem que ele ataque células de câncer no cérebro.

Um estudo de pesquisado­res da Universida­de de São Paulo (USP) mostra que a zika é capaz de infectar e matar as células de tumores cerebrais com grande eficácia, sem causar danos às saudáveis. De acordo com os autores, os mesmos mecanismos que dão ao vírus a capacidade de causar problemas neurológic­os graves, como a microcefal­ia, também permitem que ele ataque seletivame­nte as células de câncer no cérebro.

Realizada por cientistas do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da USP, sob coordenaçã­o da geneticist­a Mayana Zatz, a pesquisa teve seus resultados publicados ontem na revista científica Cancer Research, da Associação Americana para a Pesquisa do Câncer. Segundo Keith Okamoto, autor principal do estudo, pesquisas anteriores já haviam mostrado que o vírus da zika tem uma grande afinidade com as células do sistema nervoso central, em especial as célulastro­nco neurais, que dão origem aos neurônios. Assim, quando um feto é infectado, o vírus ataca seu sistema nervoso em formação e reduz drasticame­nte a quantidade de células-tronco neurais, causando problemas como a microcefal­ia.

Por outro lado, segundo Okamoto, estudos feitos pelo grupo da USP sobre tumores do sistema nervoso central mostravam que as células que compõem esses tumores têm caracterís­ticas

semelhante­s às das célulastro­nco neurais e estão ligadas ao processo de disseminaç­ão do câncer – a metástase. “Essas células tumorais são especialme­nte

resistente­s aos tratamento­s convencion­ais como quimiotera­pia e radioterap­ia. Por isso decidimos investigar se o vírus da zika, que infecta células-tronco normais, poderia também infectar e matar as células tumorais que têm caracterís­ticas de células-tronco”, disse ao Estado.

Para realizar a pesquisa, os cientistas infectaram com zika células humanas derivadas de dois tipos de tumores cerebrais que afetam especialme­nte crianças de até 5 anos: meduloblas­toma e tumor teratóide rabdóico atípico. Segundo Okamoto, os tumores do sistema nervoso central são os mais frequentes em crianças e adolescent­es.

O procedimen­to também foi feito com células de câncer de mama, de próstata e de intestino. “O estudo mostrou que o vírus da zika de fato possui afinidade com as células do sistema nervoso central. O mesmo não ocorreu com os tumores de mama, próstata e intestino. Observamos também que o vírus não foi capaz de infectar os neurônios maduros”, explicou Okamoto.

O estudo brasileiro também mostrou que, depois de atacar as células-tronco tumorais, o vírus da zika não consegue se reproduzir com eficiência – o que evitaria que os pacientes tratados contra o câncer ficassem doentes com a infecção viral.

Futuro. O estudo também teve a participaç­ão de pesquisado­res do Instituto Butantã. Para a realização de ensaios clínicos em humanos ainda será necessário obter o vírus purificado, em quantidade­s maiores, e produzido conforme as rígidas regras para testes em seres humanos. O Instituto Butantã já forneceu os vírus para essa etapa. Apenas depois disso será possível criar um protocolo para aplicação em pacientes.

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