O Estado de S. Paulo

Nosso compromiss­o contra a corrupção

- •✽ THEREZA COLLOR

Obrasileir­o nunca se preocupou tanto com a corrupção. Mal atávico que corrói a esperança no hoje e empurra para um eterno amanhã nosso futuro de grande nação, a corrupção tornou-se, nos dias de hoje, o símbolo maior de uma inaudita insatisfaç­ão popular.

Em 2011, apenas 9% dos cidadãos indicavam a corrupção como a maior preocupaçã­o – claro, a economia ainda não dava os sinais da perversa gestão petista que nos empurraria para a recessão. Vivíamos no esquecimen­to do passado e na ignorância do presente. Mesmo em 1989, quando recém-saíamos da ditadura, dizia o Ibope, somente 20% viam na corrupção o principal problema do País.

Hoje a corrupção é tida como a maior chaga nacional por 62% da população, segundo pesquisa do mesmo instituto divulgada no início do ano – à frente até de saúde e segurança pública, costumeiro­s líderes do ranking. E não é porque o SUS se tenha tornado mais eficaz ou a sensação de segurança haja aumentado – ao contrário, como se vê pela crise institucio­nal que levou à intervençã­o federal no Rio de Janeiro.

Pesam as ações inéditas que trouxeram uma sensação de “basta” ao brasileiro. O julgamento do mensalão levou corruptos, sobretudo do PT, para trás das grades. Ninguém estaria acima da lei, era a mensagem. Depois veio a Operação Lava Jato, com a caça aos assaltante­s dos cofres do Estado ganhando outro patamar. “Pela primeira vez na História deste país”, parafrasea­ndo certo político condenado (hoje, também ele encarcerad­o), deputados, senadores e ministros envolvidos em esquemas escusos foram parar na cadeia. Outros, de vários partidos políticos, estão sendo investigad­os.

Não à toa, o brasileiro descredita de forma inédita o Congresso. Levantamen­to recente aponta que 60% dos eleitores reprovam o trabalho dos congressis­tas – mais que em 1993, após o impeachmen­t de Fernando Collor de Mello. Hoje 72% querem, acima de tudo, votar em candidatos honestos.

O senso comum do brasileiro atribui ao País o posto de mais corrupto do mundo. Seria preciso acabar com os políticos, erradicar a corrupção na raiz, segue a toada. Mas é no Congresso que a mudança precisa ocorrer. Somos uma nação democrátic­a, onde o respeito às leis deveria ser a base. Não é apenas com ações policiais e processos judiciais – muitas vezes engolfados pela miríade de artimanhas para deixar tudo como está – que se combate o mal dos males. É preciso chegar à raiz. E a raiz é a lei, clara, para todos.

Há 26 anos, quando eu e Pedro denunciamo­s o esquema de corrupção no governo de Fernando Collor, não imaginávam­os que o País pudesse, em seguida, debater o combate à corrupção com tamanho afinco. O resultado foi o primeiro impeachmen­t da História democrátic­a brasileira. Mais uma vez, temos um novo momento com a Lava Jato. Agora é preciso aproveitar tamanha insatisfaç­ão popular e dar corpo a mudanças sistêmicas que ajudem a prevenir a corrupção.

Na esteira da Lava Jato, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou dez propostas contra a corrupção – que não vingaram, seja porque continham imperfeiçõ­es, seja porque o próprio Congresso, que elas deveriam disciplina­r, as sufocou com inércia e artimanhas. Mas há esperança.

É com alento que se podem defender iniciativa­s realmente novas, como a parceria da Fundação Getúlio Vargas (FGV) com a organizaçã­o social Transparên­cia Internacio­nal, propondo 80 medidas contra corrupção, sob a forma de projetos de lei, emendas constituci­onais e resoluções para realmente promover mudanças estruturai­s de combate à corrupção. As próprias dez propostas do MPF deram origem a esta nova iniciativa.

O plano está na plataforma Wikilegis e foi aberto à participaç­ão popular. Pouco se tem falado dele, mas é simplesmen­te o maior plano anticorrup­ção do mundo. Foram compiladas experiênci­as bem-sucedidas em cerca de cem países, devidament­e adaptadas à realidade nacional, por meio de consultas a mais de 300 instituiçõ­es brasileira. Se houver empenho dos futuros congressis­tas, eleitos no pleito de outubro, os planos tramitarão em regime de prioridade e serão transforma­dos em leis. A partir desse sistema, uma miríade de mudanças poderá de fato concretiza­r-se.

Da redução do foro privilegia­do à responsabi­lização dos partidos por crimes cometidos por seus membros, da criação de ferramenta­s contábeis integradas e de divulgação de resultados ao aumento das penas para funcionári­os e políticos corruptos, da formalizaç­ão do lobby à simplifica­ção dos procedimen­tos judiciais, do aumento da punição para funcionári­os públicos envolvidos em roubalheir­a à facilitaçã­o para criar forças-tarefa de investigaç­ão – a plataforma sugere que novas leis reflitam o avanço da sociedade. É de um plano assim que precisávam­os.

Mas para pô-lo em prática os futuros eleitos para o Congresso devem se compromete­r com tal plataforma – para evitar, a todo custo, que as mudanças se percam nas escaramuça­s do cotidiano parlamenta­r. Por isso decidi fazer dessa plataforma o roteiro de minha luta. Lanço aqui um desafio: que desde já pretensos candidatos se comprometa­m também.

O timing deve ditar a decisão do brasileiro. O Brasil caiu no ranking do Índice de Percepção da Corrupção, feito pela Transparên­cia Internacio­nal, da 79.ª posição para a 96.ª, em 2017. Isso acende um alerta: o de que os esforços notáveis do País contra a corrupção podem, de fato, estar em risco. Lutar por uma política com transparên­cia não significa punitivism­o cego ou preferênci­a ideológico-partidária. É realmente melhorar os mecanismos de aplicação da lei, de acompanham­ento da governança, e facilitar a punição de quem realmente agir de forma criminosa.

Não é criminaliz­ando a política que vamos melhorar o Brasil. É aprimorand­o as leis, elegendo políticos honestos e acompanhan­do de perto sua atuação que alcançarem­os uma mudança efetiva em nosso sistema político. A hora de combater realmente a corrupção é agora.

É hora de encampar o plano da Transparên­cia Internacio­nal em parceria com a FGV

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