O Estado de S. Paulo

Como caminhar para a saída

- •✽ FERNÃO LARA MESQUITA

OBrasil precisa suspender as hostilidad­es. Manter essa briga de faca no escuro é o modo mais eficaz de não permitir que o que quer que seja mude. E não mudar tudo, e logo, vai nos levar reto para uma ditadura da violência organizada violenta o bastante para deter a violência desorganiz­ada que está pondo o País em pânico. Ditadura de que “lado”? Daquele que nos manterá impossibil­itados de aprender democracia, fora do nosso tempo e condenados a voltar sempre ao ponto de partida como estamos voltando mais uma vez agora... Lava Jato?

É o que temos pra hoje. Quem ainda resiste ao desespero resiste agarrado a ela porque fora dela nada nos foi oferecido. Mas a esta altura todo mundo já aprendeu a manipulá-la. Há lava jatos para todos os gostos e finalidade­s e só a menor e menos poderosa delas é realmente séria. O caminho para dar a cada um o que ficou devendo à Justiça seria voltarmos a respeitar os pormenores, o que quer dizer reduzir drasticame­nte a velocidade. Deus (e o diabo) estão nos detalhes que o Brasil foi levado a deixar de enxergar porque essa era a única maneira de evitar que os condenados na Ação Penal 470, do mensalão, diferentes de todo o resto da boa e da má política do Brasil como de fato são, fossem expulsos para sempre do jogo democrátic­o, que trabalham para destruir por dentro.

A primeira parte das gravações dos 1.829 candidatos de 28 partidos pedindo dinheiro de campanha que Joesley tem guardadas e às quais dá ou não “acesso” a jornais e TVs on demand é igual para quem parou por aí ou para quem foi além vendendo favores para se locupletar. Apoiar só nessa parte as manchetes é a maneira mais fácil de seguir com o plano de desmoraliz­ação do único Poder eleito da República excluído o Executivo que nomeia a cúpula do Judiciário. Aquele plano que começou pela criação de monopólios artificiai­s para financiar a compra de votos de congressis­tas no atacado, primeiro, e a de campanhas a granel mais adiante, para a consecução do projeto de poder antidemocr­ático com pretensões multinacio­nais que Lula descreve pessoalmen­te nas suas perorações ao Foro de São Paulo disponívei­s no YouTube.

Diferencia­r financiame­nto de campanha de corrupção e essas duas coisas de conspiraçã­o contra a democracia é perfeitame­nte possível, como ficou demonstrad­o na sentença do mensalão. Só que leva tempo. O tempo que a Lava Jato séria gasta nos seus processos e as lava jatos bandalhas atropelam nos delas. O tempo que deveria ser obrigatori­amente gasto em apuração independen­te dos fatos entre o “acesso” dado às gravações dos joesleys e a publicação das manchetes acusatória­s. Um tempo, enfim, que este Brasil periclitan­te não tem mais. Eleições?

Ok. Mas quem for eleito terá de governar um país à beira do caos.

Montar um time tecnicamen­te capaz de deter a explosão da maior bomba fiscal jamais plantada nos alicerces da Nação é o de menos. Mas até isso está prejudicad­o. No meio dessa guerra que fez a presunção de culpa substituir a presunção de inocência na cabeça das pessoas e na nossa (des)ordem judicial televisiva, nenhum quadro técnico bem-intenciona­do à altura do desafio terá coragem de vir trabalhar para governos. A chance de acabar incinerado é praticamen­te certa.

Parada dura mesmo é a política. Essa bomba fiscal não poderá ser desarmada sem uma mudança profunda nas regras de apropriaçã­o da riqueza nacional vigentes. Como construir maiorias para enfrentar 518 anos de corporativ­ismo constituci­onalmente “petrificad­o” num país conflagrad­o e com a política fechada à entrada de sangue novo?

Parece uma missão impossível, mas a necessidad­e sempre fez milagres. O Estado está a ponto de se dissolver num país miserabili­zado que emasculou a iniciativa privada e confiou tudo ao Estado. Há uma consciênci­a clara até dentro da privilegia­tura de que, se não pusermos ao menos no horizonte visível o fim da desigualda­de perante a lei que se traduz no sumidouro da previdênci­a pública e está na base desse desastre, ela vai morrer junto com o organismo que parasitou além do limite da sobrevivên­cia. É uma faca de dois gumes, pois para quem já não se vexa de abraçar ditaduras assassinas é a explosão que interessa, e para tê-la basta não fazer e não deixar fazer nada.

Para reformar um sistema defeituoso como o nosso é preciso antes de mais nada identificá-lo como tal. Reconhecer que, como comprova o fato de já termos dado a volta completa no circuito das ideologias no comando colhendo sempre o mesmo resultado, é o sistema que entorta todos que toca e não as pessoas que entortam o sistema.

Todas as forças necessária­s para empurrar a mudança estão vivas e operantes. Mesmo diante da maior operação de patrulhame­nto jamais arquitetad­a na história da televisão brasileira, havia uma maioria no Congresso Nacional, como a que há no Brasil aqui de fora e também dentro dos setores mais profission­ais e mais mal pagos do serviço público, disposta a devolver privilégio­s em nome da salvação nacional. Mas ela foi bloqueada pelas defesas que o sistema erigiu contra a alteração de si mesmo, a mais forte das quais é a imprecisão da representa­ção do Brasil Real no Brasil Oficial.

É preciso suspender a validade dessas defesas contra a devolução, em prazo marcado, de um País sob nova direção onde esteja absolutame­nte claro quem representa quem, e a entrega ao povo/eleitor, única fonte de legitimida­de, como reza a Constituiç­ão, do direito à ultima palavra em todas as decisões que afundam ou fazem os países voar. A receita é conhecida, testada e aprovada: eleições distritais puras, precarieda­de dos mandatos e empregos públicos retomáveis por iniciativa popular a qualquer momento (recall), direito ao referendo das leis dos Legislativ­os, direito à reconfirma­ção periódica dos juízes encarregad­os de fazê-las cumprir. Isso – e só isso – cerca e mata a corrupção.

A eleição de outubro pode e deve ser plebiscitá­ria. Quem propuser entregar ao povo o comando do seu próprio futuro leva. Deixar rolar como está é suicídio.

Em outubro, quem propuser entregar ao povo o comando do seu próprio futuro leva

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