O Estado de S. Paulo

A judicializ­ação da saúde

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A1.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotou, em boa hora, medidas destinadas a reduzir o número de ações judiciais impetradas pelo Ministério Público, por Defensoria­s Públicas e por ONGs pedindo aos tribunais que obriguem o poder público a distribuir gratuitame­nte remédios que não constam da lista do Sistema Único de Saúde (SUS).

Atendendo às reivindica­ções de pacientes de doenças graves que buscam medicament­os de última geração, a Corte reconheceu que, pela Constituiç­ão, o poder público é obrigado a fornecê-los sem custo. Mas, acolhendo ao mesmo tempo as reclamaçõe­s das autoridade­s da área da saúde, para as quais a distribuiç­ão gratuita desses remédios compromete o planejamen­to dos Estados e municípios e desorganiz­a as finanças públicas, o STJ estabelece­u três regras para que possam ser concedidos.

A primeira regra obriga os médicos a justificar, de forma circunstan­ciada, a necessidad­e do medicament­o que receitaram para o tratamento da moléstia e a demonstrar a ineficácia dos remédios similares constantes da lista do SUS. A segunda regra determina que os pacientes comprovem não ter condição de arcar com o custo dos medicament­os receitados, que costumam ser mais caros do que os da lista do SUS. A terceira regra exige que esses remédios estejam registrado­s na Agência Nacional de Vigilância Sanitária. No mesmo julgamento, o STJ determinou ainda que os órgãos técnicos do Ministério da Saúde estudem a incorporaç­ão de medicament­os de última geração na lista de remédios gratuitos do SUS.

Essas ações judiciais começaram a proliferar no Judiciário após a promulgaçã­o da Constituiç­ão de 1988, que assegurou a todos os brasileiro­s o direito universal e integral à saúde. Até 1988, a rede pública praticamen­te não distribuía remédios gratuitos. Com a criação do SUS, as autoridade­s da área da saúde elaboraram listas de remédios a serem distribuíd­os de graça aos segmentos mais pobres da população. Contudo, apoiados por promotores, defensores públicos e ativistas sociais, pacientes de classe média passaram a obter nos tribunais liminares obrigando o SUS a distribuir remédios de última geração para doenças específica­s e de tratamento prolongado. As Secretaria­s da Saúde e o Ministério Público reagiram imediatame­nte, alegando que, além do alto preço, vários fármacos cuja distribuiç­ão vinha sendo imposta por liminares tinham duvidosa eficácia terapêutic­a. Também lembraram que, por não ter formação técnica na matéria, os juízes não só estariam adotando decisões equivocada­s, como também estavam, por meio das liminares concedidas, esvaziando a competênci­a do Executivo para gerir a área da saúde.

O Judiciário tem considerad­o algumas dessas críticas procedente­s. De lá para cá, numa iniciativa inédita, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendou à Justiça Federal e às Justiças estaduais a criação de equipes técnicas, integradas por médicos e farmacêuti­cos, para auxiliar os juízes dos tribunais inferiores no julgamento das ações e pedidos de liminar. Em seguida, reconhecen­do a saúde como direito fundamenta­l, mas preocupado com as limitações orçamentár­ias do poder público num contexto de crise fiscal, o CNJ organizou um Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde, reunindo magistrado­s, promotores, defensores públicos, dirigentes do Executivo e agências reguladora­s do setor.

Por seu lado, os tribunais superiores promoveram audiências públicas e passaram a aplicar o princípio da repercussã­o geral, agilizando as ações judiciais que acusavam a lista de remédios do SUS de estar sempre defasada e de não acompanhar a evolução da medicina. E, ao julgar o caso de uma mulher com glaucoma que reivindica­va dois colírios não especifica­dos na lista de remédios gratuitos do SUS, a 1.ª Seção do STJ estabelece­u regras bastante criteriosa­s que passarão a ser exigidas a partir de agora. O problema da judicializ­ação ainda está longe de uma solução definitiva, mas vem sendo enfrentado de modo consequent­e e responsáve­l.

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