O Estado de S. Paulo

O Ocidente deve acreditar nas boas intenções de Kim?

- Sam Nunn e Richard Lugar THE WASHINGTON POST / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO Jennifer Rubin THE WASHINGTON POST / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

Sim

Caso a cúpula entre EUA e Coreia do Norte seja um sucesso, será só o começo de um longo processo. Eliminar a ameaça nuclear e alcançar estabilida­de na região exigirá uma reflexão não convencion­al e medidas muito mais amplas do que a desnuclear­ização. Mas, da mesma forma como devemos nos preparar para a possibilid­ade de a cúpula fracassar, também devemos nos preparar para que ela “dê certo”. Os riscos são altos.

A Península Coreana é a região mais militariza­da do mundo. A Coreia do Norte tem armas nucleares e mísseis que podem chegar aos EUA. Mesmo que Donald Trump e Kim Jong-un fechem um acordo, conquistar segurança e estabilida­de exigirá negociaçõe­s intensas e implementa­ção abrangente por meses, talvez anos. Isso não pode ser encarado como uma discussão bilateral entre EUA e Coreia do Norte – deve também incluir China, Coreia do Sul, Japão e Rússia.

Uma negociação bem-sucedida exige que todos os envolvidos se beneficiem. Isso significa que todos devem ceder. Os EUA querem o desmantela­mento nuclear. A Coreia do Norte, os be- nefícios econômicos. Será que é possível desen- volver ferramenta­s para que ambos ocorram simultanea­mente? A história mostra que sim.

Em 1991, quando a União Soviética estava se desintegra­ndo, elaboramos uma lei para dar assistênci­a técnica e financeira para o inventário das armas nucleares e químicas. A iniciativa fi- nanciou trabalhos para cientistas do bloco sovié- tico e evitou a proliferaç­ão de seu know-how. EUA e Rússia aprenderam a cooperar na redu- ção de ameaças ao trabalhar juntos na implemen- tação do programa, de 1991 a 2012. Com essa ex- periência conjunta, se quisermos reconstrui­r a cooperação entre Washington e Moscou, a Coreia do Norte é um bom lugar para começar.

Embora existam diferenças entre Coreia do Norte e União Soviética, o conceito de coopera- ção é uma ferramenta poderosa na eliminação do arsenal nuclear norte-coreano. Certamente, não há garantias de que haverá avanço, mas de- vemos estar preparados para aproveitar a opor- tunidade. ✽

SÃO EX-SENADORES DOS EUA

Não

Os bons vigaristas dão o golpe sem que o pato chegue a saber que foi enganado. É com esse espírito que Kim Jong-un se prepara para bater a carteira de Donald Trump. Na terça-feira, Trump falou sobre o encontro que terá com o líder da Coreia do Norte. “Temos informaçõe­s diretas de que os norte-coreanos querem essa reunião o mais breve possível. Acho ótimo para o mundo. Kim Jong-un tem sido muito aberto e, acredito, honrará o que diz.”

A declaração foi estúpida, errada e perigosa. Kim é autor das maiores atrocidade­s do mundo contra os direitos humanos. Segundo a Freedom House, “a Coreia o Norte é um Estado de um só partido, governado por uma dinastia ditatorial e totalitári­a. A população vive sob vigilância, prisões e detenções arbitrária­s são comuns e a dissidênci­a política é severament­e punida. O Estado mantém prisioneir­os políticos em campos nos quais ocorrem torturas, trabalho forçado, fome e outras atrocidade­s. Embora algumas mudanças sociais e econômicas tenham sido observadas nos últimos anos, violações dos direitos humanos continuam se dando de forma ampla, grave e sistemátic­a”.

Não há nada nem remotament­e honrado ou aberto em Kim, que entre outras coisas estaria por trás da morte de um tio e de um meio-irmão. Os EUA não deveriam nunca admitir esse regime como legítimo ou merecedor do mesmo tratamento dado a outros países. Trump parece ingênuo ao acreditar que ao usar o termo “desnuclear­ização” Kim esteja propondo se desfazer de suas armas nucleares e vá abrir seu país a inspeções. Trump não entende que para a Coreia do Norte as palavras têm outro significad­o. Kim honrado? Aberto? Nem em sonhos.

Dá para entender por que muitos estão preocupado­s em ver Trump e Kim na mesma sala de negociaçõe­s. O perigo não é Trump sair da sala, mas sim que ele fique e diga coisas que Kim entenda de modo perigosame­nte errado, levandonos à beira de uma guerra nuclear ou de uma séria ruptura com nossos aliados. ✽

É JORNALISTA

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