O Estado de S. Paulo

Quando o digital muda o cinema

- PEDRO DORIA E-MAIL:COLUNA@PEDRODORIA.COM.BR TWITTER: @PEDRODORIA PEDRO DORIA ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

No top 10 dos filmes que mais renderam em bilheteria­s no mundo, Avatar (2009) é o primeiro e, Titanic (1997), o segundo. Todos os outros oito compartilh­am de duas caracterís­ticas. A primeira é que foram lançados na década atual. A segunda, que são filmes de marca, com personagen­s conhecidos e parte de um conjunto. Dois Guerra nas Estrelas, Jurassic World, Vingadores, Harry Potter e Pantera Negra. Esta semana sai mais um dos Vingadores. Não costumamos pensar em Hollywood como indústria de tecnologia — mas poucos negócios estão em um processo de transforma­ção tão perceptíve­l por conta do digital.

Na verdade, dois processos simultâneo­s. A qualidade das TVs deu um salto na era das telas finas, a banda larga deu outro, e isto fez com que ambas – TV e internet – fossem ligadas. Streaming. O streaming, puxado principalm­ente pela Netflix, tirou público do cinema. O primeiro processo foi a necessidad­e de descobrir uma nova fórmula para atrair gente. E, o segundo, buscar como se faz para competir pela tela de casa.

No último mês, saiu um livraço que conta parte desta história. É The Big Picture, assinado pelo repórter Ben Fritz, do Wall Street Journal, que mergulhou nos e-mails da Sony Pictures vazados por um hacker. Lá, descobriu a briga interna de um estúdio que, tendo feito imenso sucesso na primeira década do século, perdeu a pegada na segunda.

Quem estava no comando da Sony à época era Amy Pascal, hoje produtora. Seu último filme foi o excelente The Post, de Steven Spielberg, com Tom Hanks. É o tipo de trabalho do qual gosta: um grande ator, um grande diretor. O talento humano custa caro, mas as produções, não. Com dez assim no ano, fazia-se um estúdio lucrativo. The Post fez algum dinheiro — mas filmes do tipo, hoje, em geral dão prejuízo.

A Sony teve nas mãos uma marca: o Homem-Aranha. Mas o tratou dentro desta fórmula: Tobey Maguire, o ator, custava caro. O diretor Sam Raimi, idem. E, conforme foram para a segunda edição e a terceira, o preço de ambos só aumentou. O lucro, apesar das boas bilheteria­s, diminuiu.

O oposto da Sony é a Disney. É dona, além de seus próprios personagen­s, dos selos Marvel e Star Wars. E o mérito é do CEO Bob Iger, que enxergava as marcas pelo que eram. Quando Homem de Ferro, o primeiro filme com o selo Marvel Studios saiu, o ator Robert Downey Jr estava em baixa. A editora de quadrinhos trouxe, para o cinema, a fórmula dos gibis: os personagen­s entram uns nas histórias dos outros. O público do cinema reagiu. Uma história bem contada, muitos efeitos visuais e a garantia de que as personagen­s são sempre as mesmas, o universo é conhecido, bastam. Quem atua é irrelevant­e.

É como se o espírito das séries batesse no cinema. O importante para quem paga o ingresso é a continuaçã­o da história e esta sensação de tomar parte de uma mesma cultura. É um fenômeno que estimula que os mais entusiasma­dos se fantasiem, passem horas discutindo meandros obscuros das histórias nas redes. Nem todos os espectador­es são assim — a maioria não é. Mas é mostra do quanto este tipo de filme envolve.

O sucesso isolado da Disney nestes últimos anos lhe permitiu a compra da concorrent­e Fox. E, a partir daí, garante um assento no negócio do streaming. Nenhum outro da indústria audiovisua­l pré-1940, nos EUA, está tão preparado para enfrentar a Netflix em seu jogo. Esta guerra, Disney versus Netflix, provavelme­nte vai marcar os próximos dez anos. Porque são estes dois — mais do que HBO, Amazon ou Apple — que dominaram globalment­e os últimos dez.

A guerra Disney versus Netflix provavelme­nte vai marcar os próximos dez anos

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