O Estado de S. Paulo

Arte e palavra em três exposições

Elas exploram poesias visuais e obras nas quais imagem e escrita também se relacionam à comunicaçã­o de massa

- Mario Gioia ESPECIAL PARA O ESTADO

As artes visuais e as palavras, em especial por meio da poesia, norteiam três exposições no circuito paulistano. Unidas à grande visibilida­de que tiveram na SP-Arte 2018, quando estandes inteiros foram dedicados ao duo, evidenciam a redescober­ta de arquivos, correspond­ências, publicaçõe­s e documentos de variados tipos, jogando luz em produções que, em geral, ficaram à margem.

A Poesia e as Artes Visuais, na galeria Superfície até 30 de maio, é organizada por Gustavo Nóbrega e atesta o interesse crescente do mercado por tal poética. O galerista de 32 anos também assina a pesquisa Poema Processo – Uma Vanguarda Semiológic­a (ed. WMF Martins Fontes, 320 págs.), livro que compila e traz registros inéditos dessa corrente no Brasil. “O poema não era mais somente uma prática literária, passando a existir também fisicament­e como objeto, e atingindo outros níveis: o gestual, o poema-passeata”, escreve o pesquisado­r Anchieta Fernandes, em 1992, em texto da publicação.

“Há um campo enorme para a pesquisa, porque os artistas/poetas produziram muito”, afirma Nóbrega, que representa nomes centrais do poema processo, como Falves Silva, de Natal, e Neide Sá, do Rio.

Para a coletiva, Nóbrega utilizou a palavra como meio vista em diversos suportes e abordagens. Traz desde veteranos do poema processo, revistas relevantes na difusão dos movimentos vanguardis­tas – como a Noigandres ea Ponto – a medalhões internacio­nais como Alighiero Boetti (1940-1994) e Joseph Beuys (1921-1986), além de nomes mais jovens como Débora Bolsoni e Fabio Morais.

Segundo o curador italiano radicado em São Paulo Jacopo Crivelli Visconti, essa produção tem ganhado ressonânci­a não apenas no Brasil, mas em âmbito mundial. “Tanto as instituiçõ­es quanto os colecionad­ores privados estão valorizand­o a importânci­a da documentaç­ão para contextual­izar devidament­e a produção artística, e nesse sentido a poesia visual tem um papel essencial, enquanto se coloca exatamente nesse cruzamento entre obra e documentaç­ão”, diz ele, que selecionou o baiano Almandrade para o setor Repertório, que trazia nomes de peso para a SP-Arte.

“São trabalhos dos anos 1970 – poemas visuais, objetos, poemas/objetos. São documentos de uma produção silenciosa, mas em sintonia com as questões que norteavam a contempora­neidade”, relata o veterano artista, 65 anos, representa­do por Baró (SP), Roberto Alban (BA) e Karla Osorio (DF).

Para a curadora e pesquisado­ra Isabella Lenzi, que realizou mostras de nomes como E. M. de Melo e Castro – presente na coletiva da Superfície –, letras e visualidad­es podem ser lidas conjuntame­nte a partir do uso do livro como linguagem. “Vale partir de um dos grandes paradoxos do livro: sua dupla condição, material e imaterial. Imaterial por ser um suporte que tende a desaparece­r quando lido de maneira ortodoxa. Material quando percebido como um objeto que se faz presente.”

Lenzi também observa um crescente interesse internacio­nal sobre ambos os campos. “Ao ver o interesse das instituiçõ­es pelos livros de artista – que estão muito ligados à produção em poesia visual –, o mercado e as feiras rapidament­e se adaptaram para absorver esses ‘produtos’.” A curadora apresenta no Consulado de Portugal em São Paulo individual de Nuno Sousa Vieira, em cartaz até 28 de abril. A exposição se baseia em livros de artista, nos quais Nuno trabalha a palavra, mas também sua ausência e a própria materialid­ade de tais objetos.

O curador e pesquisado­r João Bandeira sintetiza pesquisas em Entre Construção e Apropriaçã­o, no Sesc Pinheiros até 3 de junho. A exposição se debruça sobre a obra de Antonio Dias, Geraldo de Barros (1923-1998) e Rubens Gerchman (1942-2008) num recorte específico, de 1960 a 1967. Entre outros aspectos que renovam a leitura sobre a produção do trio – um certo tom expression­ista e uma fundamenta­ção de design gráfico, por exemplo –, a apropriaçã­o da linguagem direta e visual dos meios de comunicaçã­o de massa é enfatizada.

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PAT KILGORE Rubens Gerchman. Serigrafia sobre tecido é obra de 1966

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