O Estado de S. Paulo

Soltura de presos no Rio tem choro e revolta

- Roberta Pennafort / RIO

Tudo o que Emílio Fortunato da Cruz Neto queria no dia 6 era festejar seu aniversári­o de 24 anos em um show do grupo de pagode Pique Novo. A noite seria também para celebrar o fato de ter sido escolhido o funcionári­o do mês da filial do Burger King em que trabalha. Chapeiro da lanchonete, sem nenhum antecedent­e criminal, acabou preso, sob acusação de envolvimen­to com milicianos.

Ele foi um dos detidos na Operação Medusa da Polícia Civil, no sítio na zona oeste onde os pagodeiros se apresentav­am. Cruz era esperado por sua mãe e um grupo grande de parentes na porta da cadeia ontem, depois que a Justiça considerou que não havia motivos para manter lá 137 dos 159 encarcerad­os na ocasião.

Mais de 50 presos foram libertados. A saída foi marcada por expectativ­a, choro, aplausos e abraços. Desde cedo, eles esperavam na saída do Complexo de Gericinó. Para agonia da família de Cruz, porém, até as 18 horas o chapeiro não havia saído.

“É uma situação muito triste. Cheguei às 7 horas, aflita. Meu filho passou o aniversári­o na prisão. Esses meninos só viveram isso porque são pobres. Se fosse na zona sul, a polícia não chegava prendendo todo mundo”, lamentou a mãe de Cruz, Celia Maria Silva, dona de casa de 50 anos. “A milícia manda em tudo lá em Santa Cruz, até na vida da gente. Não se pode montar uma banquinha na frente de casa que eles cobram da pessoa. Mas meu filho não foi a uma festa de miliciano. Pagou R$ 20 por um pagode.”

O perfil dos presos na operação no sítio é exatamente o dele: homens pobres, com idades entre 20 e 35 anos. São empregados de restaurant­es, garçons, ambulantes, motoristas de ônibus, eletricist­as.

Ontem, funcionári­os do Complexo Penitenciá­rio de Gericinó montaram uma espécie de força-tarefa para dar conta da liberação coletiva dos detidos. No momento da saída e do reencontro emocionado com as famílias, alguns relataram terem sido agredidos verbal e fisicament­e. Anonimamen­te, pelo menos três relataram que foram tratados “como bichos”. Eles agora se preocupam com o fato de estarem com ficha criminal.

Mancha. André Gomes, de 32 anos, funcionári­o de um supermerca­do, pretende processar o Estado. “Isso vai ser arquivado para o resto da minha vida. Sou uma pessoa honesta”, afirmou. “A gente trabalha a semana inteira e só queria relaxar em uma sexta”, completou o ajudante de motorista Anderson Castro, de 19 anos, que disse não querer “ficar com essa mancha”.

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