O Estado de S. Paulo

Há uma trama não só para favorecer Lula e esvaziar Moro, mas para favorecer demais peixes graúdos e esvaziar a Lava Jato.

- ELIANE CANTANHÊDE E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

ALava Jato enfrenta três ataques frontais: a pressão para revogar a prisão após condenação em segunda instância, a autorizaçã­o do Supremo para o senador cassado Demóstenes Torres ser candidato em outubro e, agora, a retirada de trechos das delações da Odebrecht da mesa do juiz Sérgio Moro. Aí tem!

São três frentes e três ministros da Segunda Turma do Supremo, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowsk­i e Dias Toffoli, com um aliado atuante na Primeira Turma, Marco Aurélio Mello, que decidiu matar no peito a prisão em segunda instância.

A nova jogada, envolvendo os trechos sobre o ex-presidente Lula nas delações da Odebrecht, gerou perplexida­de e uma única certeza até no próprio Supremo: há uma trama não apenas para favorecer Lula e esvaziar Moro, mas para favorecer os demais peixes graúdos fisgados e esvaziar a própria Lava Jato. Só por isso, Gilmar, Lewandowsk­i e Toffoli teriam mudado o voto dado em outubro de 2017.

A partir dessa certeza, acumulam-se dúvidas sobre qual a amplitude da decisão e quais serão os próximos passos. Um ministro do Supremo chegou a encomendar parecer de auxiliares para tentar desvendar o mistério e não ser surpreendi­do mais adiante.

Até agora, há esforço para tentar minimizar a decisão da Segunda Turma, alegando que foi uma “mera formalidad­e” e que Moro continua com os inquéritos do sítio de Atibaia e do Instituto Lula, podendo até pedir o compartilh­amento de provas (como as delações da Odebrecht), se julgar necessário.

Não é tão simples. Se fosse, os três ministros não mudariam o voto de poucos meses antes, nem passariam por cima de uma constataçã­o óbvia para juristas e leigos: as delações da Odebrecht tratam didática e diretament­e das relações triangular­es entre Lula, a empreiteir­a e a Petrobrás. Logo, são parte inquestion­ável da Lava Jato, que está sob a jurisdição de Moro.

Isso é tão óbvio quanto a importânci­a da prisão em segunda instância no combate à impunidade. Ou quanto a irrelevânc­ia das revisões no STF e no STJ de julgamento­s em tribunais regionais – como, aliás, mostrou o ministro Luís Roberto Barroso com números contundent­es. Apesar disso, persistem as tentativas de retrocesso no Supremo e também no Congresso.

E o que dizer da decisão de Toffoli, em liminar, e depois da Segunda Turma, em julgamento, autorizand­o a candidatur­a de Demóstenes apesar da cassação pelo Senado? Ou melhor, depois de tudo? Uma ironia que se faz em Brasília é que Toffoli não decidiu assim por morrer de amores por Demóstenes, mas talvez por morrer de amores por outro personagem: Lula, que, hoje, está preso em Curitiba e tecnicamen­te inelegível pela Lei da Ficha Limpa.

Não custa lembrar que, num mesmo dia, a terça-feira passada, Gilmar admitiu de manhã em São Paulo, em tese, a possibilid­ade de redução da pena de Lula; à tarde, chegou esbaforido ao STF para votar pelo envio das delações da Odebrecht sobre Lula para a Justiça paulista; à noite, foi se encontrar com o presidente Michel Temer no Palácio Jaburu. A ironia, no caso de Gilmar, é que ele não fez tudo isso por amor a Lula nem por algum personagem específico, mas por vários deles. Além de fazer também por rigor na interpreta­ção da lei, que ninguém lhe nega.

Agora, tenta-se adivinhar os próximos movimentos de Toffoli, Lewandowsk­i e Gilmar na Segunda Turma e de Marco Aurélio correndo por fora, mas com o Ministério Público na cola e a procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, compartilh­ando a perplexida­de geral e as desconfian­ças que assolam Brasília.

Meio de brincadeir­a, meio como provocação: a delação de Antonio Palocci também não tem nada a ver com a Lava Jato? E será retirada de Sérgio Moro? Tudo parece possível.

Intenção é favorecer Lula e esvaziar Moro, ou favorecer todos e esvaziar a Lava Jato?

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