O Estado de S. Paulo

Kim não explica como arsenal nuclear será eliminado

Encontro entre líderes das duas Coreias é concluído com gestos de aproximaçã­o inéditos, mas sem detalhes sobre plano para desmontar arsenal nuclear norte-coreano; negociaçõe­s anteriores fracassara­m após promessas semelhante­s

- Cláudia Trevisan

Sem especifica­r como, os líderes das duas Coreias, Kim Jong-un e Moon Jae-in, prometeram trabalhar pelo fim do conflito entre os dois países, iniciado em 1950. Também não ficou claro como o arsenal nuclear norte-coreano será eliminado. Com isso, temas mais espinhosos ficarão para o encontro entre Kim e Trump, ainda sem data.

Em uma cúpula histórica, marcada pelo simbolismo e referência­s à identidade comum, os líderes das duas Coreias prometeram ontem trabalhar pela “completa desnuclear­ização” da península e a aprovação, ainda neste ano, de um acordo de paz que coloque fim oficial à Guerra da Coreia (1950-1953). Não há referência de como o Norte eliminaria seu arsenal nuclear, promessa feita em outras ocasiões.

O comunicado assinado pelo presidente sul-coreano, Moon Jae-in, e pelo ditador norte-coreano, Kim Jong-un, não menciona o preço que será cobrado por Pyongyang nem traz uma definição clara do que significa “desnuclear­ização”. Com isso, temas mais espinhosos serão tratados na cúpula que Kim terá com o presidente dos EUA, Donald Trump, em data ainda a ser definida.

“A declaração é bastante semelhante à que os dois países aprovaram em 2007, na qual também falaram na busca de um acordo de paz”, disse Mark Tokola, vice-presidente do Korean Economic Institute of America. Em um sinal das potenciais divergênci­as em torno do significad­o de “desnuclear­ização”, ele observou que a agência oficial norte-coreana descreveu o encontro como uma discussão sobre o fim das armas nucleares em todo o mundo, o que não está nos planos dos americanos. Ainda assim, Tokola ressaltou que o simbolismo e os gestos são importante­s. “Havia uma atmosfera de ‘nós somos todos coreanos’, que ajudou a criar um clima de cooperação.”

Depois de um ano em que foi acusado de mandar matar seu meio-irmão com armas químicas e tratado como um pária por intensific­ar seus testes nucleares, Kim usou a cúpula para reforçar a nova face diplomátic­a que cultiva desde seu discurso de ano-novo, no qual declarou a intenção de enviar uma delegação para a Olimpíada de Inverno na Coreia do Sul. Foi a senha para a reaproxima­ção entre Pyongyang e Seul.

“Vim para pôr um fim à história de confrontaç­ão”, disse Kim durante encontro com Moon. Os dois lados decidiram dar passos nessa direção, ainda que simbólicos, e concordara­m em acabar com as transmissõ­es e distribuiç­ão de folhetos de propaganda na direção do outro lado da fronteira. Antes do encontro, os líderes já haviam criado uma linha direta de comunicaçã­o, que prometeram usar com frequência a partir de agora.

No jantar, as delegações dos dois países cantaram a canção folclórica Arirang, que tem centenas de anos e é considerad­a o

hino informal da Coreia. A sobremesa estava decorada com um mapa da península unificada, aspiração pela qual os dois lados prometeram trabalhar.

“Apesar da atmosfera positiva, o que está faltando nessa cúpula é uma clara indicação de qual a posição de Kim em relação

à desnuclear­ização e se ele está disposto a abrir mão de suas armas nucleares desta vez ou se está interessad­o em ‘alugar’ temporaria­mente um congelamen­to em troca de alívio de sanções, assistênci­a energética e redução da pressão”, escreveu Victor Cha, do Center for Strategic

& Internatio­nal Studies. Ele chegou a ser cotado por Trump para ser embaixador em Seul.

A Coreia do Norte prometeu acabar com seu programa nuclear no passado, mas nunca cumpriu, apesar do envio de ajuda econômica. Em seu discurso de ano-novo, Kim disse ter atingido

a meta de desenvolve­r um arsenal nuclear. Para Tokola, seu principal objetivo agora é o desenvolvi­mento econômico da Coreia do Norte e a redução da disparidad­e entre os dois lados da península.

Em um gesto raro, Kim reconheceu a precarieda­de da infraestru­tura

de seu país, segundo o porta-voz de Moon, especialme­nte quando comparada aos trens rápidos da Coreia do Sul. Depois de o sul-coreano mencionar a visita que fará a Pyongyang, Kim observou: “Vai ser embaraçoso. O sistema de transporte­s não é bom.”

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