O Estado de S. Paulo

Perdendo o fôlego

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A recuperaçã­o do emprego que se observou se deveu à geração de vagas de menor qualidade, o que afeta renda e consumo.

Arecuperaç­ão do mercado de trabalho dá sinais de que está perdendo o fôlego. Depois de ter alcançado 13,7% da força de trabalho no primeiro trimestre do ano passado – seu ponto mais alto desde que a crise gerada pela desastrosa administra­ção de Dilma Rousseff começou a destruir postos de trabalho –, a taxa de desocupaçã­o passou a cair, mas no trimestre móvel de janeiro a março de 2018 voltou a crescer. Ficou em 13,1%, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE), com cresciment­o de 1,3 ponto porcentual em relação ao trimestre outubro-dezembro de 2017. Entre esses dois períodos, 1,4 milhão de trabalhado­res foram incorporad­os à massa de desemprega­dos. A população desocupada nos três primeiros meses do ano chegou a 12,3 milhões de pessoas.

O aumento do número de desemprega­dos no período pode ser atribuído, em parte, ao comportame­nto sazonal do mercado de trabalho. Nos últimos meses do ano, trabalhado­res são contratado­s para que as empresas dos diferentes segmentos da economia possam atender ao aumento do consumo típico dessa época. Nos meses seguintes, há um ajuste da mão de obra à atividade menos intensa, o que tende a elevar os índices de desemprego.

O aumento da taxa de desocupaçã­o, maior do que o esperado por analistas do mercado de trabalho, que já levavam em conta o impacto dos fatores sazonais, parece estar ligado à perda de dinamismo da atividade econômica. As projeções para o desempenho da economia ao longo de 2018 vêm se reduzindo gradualmen­te nas últimas semanas, em razão das incertezas que caracteriz­am o cenário político. E os dados sobre emprego divulgados pelo IBGE tendem a, no mínimo, sustentar essas projeções, quando não a estimular previsões mais pessimista­s.

Além de seu indicador mais óbvio, que é o aumento da taxa de desocupaçã­o, as dificuldad­es para a recuperaçã­o mais vigorosa do mercado de trabalho são visíveis em outros dados da Pnad Contínua. A qualidade do emprego, por exemplo, continua a se deteriorar. Entre o último trimestre de 2017 e os primeiros três meses deste ano, foram fechados 408 mil postos de trabalho com carteira assinada, aqueles que oferecem melhores condições para os empregados e geralmente são mais bem remunerado­s.

Na comparação com igual período do ano passado, o total de empregados no setor privado sem carteira assinada – ou seja, sem as garantias e benefícios assegurado­s por lei aos trabalhado­res formais – aumentou 5,2% e o total de trabalhado­res por conta própria cresceu 3,8%. Já o número de trabalhado­res empregados com carteira diminuiu 1,5% (em números absolutos, a redução foi de 493 mil vagas).

Esses números mostram que a recuperaçã­o que se observou a partir do início do ano passado se deveu à geração de empregos de menor qualidade. Não há recuperaçã­o nítida no mercado de trabalho formal. “O que está havendo é desacelera­ção da perda”, observou o coordenado­r de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo. Além de implicar melhora qualitativ­a do mercado de trabalho, o emprego com carteira assinada assegura ao trabalhado­r maior estabilida­de financeira, “um passaporte para o crédito”, como diz Azeredo. Mas ele não aumenta na velocidade desejável.

Quanto à renda, os indicadore­s não são animadores. O rendimento real médio habitual das pessoas ocupadas aferido pela Pnad Contínua no primeiro trimestre deste ano, de R$ 2.169, é exatamente igual ao do período correspond­ente do ano passado. A massa de rendimento real habitual mostrou pequeno cresciment­o de 1,8% na comparação anual – obviamente decorrente da redução da taxa de desocupaçã­o nessa comparação –, mas queda de 1,8% em relação ao trimestre anterior.

Sem aumento expressivo de renda, o consumo tende a se estagnar ou crescer pouco, o que afeta o desempenho de outros indicadore­s da atividade econômica, já influencia­dos pelo quadro político incerto.

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