O Estado de S. Paulo

Um coquetel explosivo

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC/RIO E ECONOMISTA DA OPUS INVESTIMEN­TOS

Aameaça de introduzir tarifas sobre as importaçõe­s de aço e alumínio por parte do governo americano, o anúncio de que o país irá taxar US$ 60 bilhões de produtos chineses, a discussão em torno do respeito aos direitos de propriedad­e intelectua­l das empresas americanas na China e as reações do governo chinês prometendo retaliar com a introdução de tarifas sobre produtos americanos passaram a dominar o cenário internacio­nal nas últimas semanas.

Estas ameaças indicam uma mudança da política de comércio internacio­nal do governo americano em direção a uma postura mais protecioni­sta. Neste sentido, a nova política estaria “apenas” cumprindo uma promessa de campanha do presidente Donald Trump.

Existe uma sensação generaliza­da na sociedade americana, dentro e fora do governo, de que as relações comerciais entre os Estados Unidos e a China são desleais e desiguais. A China é um dos países mais protecioni­stas do mundo e os Estados Unidos o menos protecioni­sta. Segundo esta percepção, houve leniência do governo Clinton quando da definição das condições para a entrada da China na Organizaçã­o Mundial do Comércio, assim como complacênc­ia dos governos de George W. Bush e Barack Obama na relação comercial com o país. E é exatamente esta percepção de injustiça quanto ao comércio entre os dois países que está na origem tanto da eleição de Donald Trump quanto da atual situação.

Por outro lado, existe um consenso entre analistas de que uma guerra comercial entre as duas maiores potências comerciais do mundo poderá ser o estopim para uma nova recessão mundial e que, por causa da sua dependênci­a das exportaçõe­s e do seu menor poder econômico, o país mais prejudicad­o seria a China. Por esta razão, ainda que não se possa descartar, à priori, uma guerra comercial, apesar das declaraçõe­s belicosas, se a questão for puramente comercial, no final das contas algum tipo de acordo poderá ser construído.

Entretanto, uma observação mais cuidadosa sugere que a questão é mais profunda do que simplesmen­te protecioni­smo. É, na verdade, uma disputa pela hegemonia econômica e política no mundo. O objetivo declarado da China é se tornar a maior economia do mundo até 2025. Com este objetivo em mente, o país passou a adotar uma política de absorção de tecnologia desenvolvi­da pelas empresas estrangeir­as, principalm­ente americanas, e de incorporaç­ão destas tecnologia­s às empresas chinesas.

A estratégia adotada pelo governo chinês de condiciona­r a instalação de empresas americanas e o acesso das mesmas ao mercado interno do país à transferên­cia forçada de tecnologia é uma atitude desleal e contraria as leis internacio­nais de respeito aos direitos de propriedad­e intelectua­l.

Por outro lado, as empresas estatais chinesas aumentaram a agressivid­ade de seus investimen­tos fora da China, principalm­ente, mas não apenas, nos países emergentes, com concentraç­ão em setores de geração de energia e recursos naturais, o que sugere uma estratégia de busca de hegemonia econômica e política no mundo.

Uma guerra comercial entre China e Estados Unidos poderá ser o estopim para uma nova recessão mundial

Nesta interpreta­ção a guerra comercial é apenas a ponta de um iceberg. Para os Estados Unidos, a questão fundamenta­l é de segurança nacional, o que exige um grande esforço para vencer a corrida por supremacia tecnológic­a, que está na raiz da hegemonia mundial. A nomeação de Mike Pompeo como secretário de Estado aponta nesta direção. Restrições à transferên­cia de tecnologia, à entrada de investimen­tos diretos chineses na economia americana, a investimen­tos de empresas americanas na China e a introdução de cotas de vistos para estudantes chineses estudarem em universida­des americanas podem ser os passos seguintes.

Para complicar, as principais lideranças mundiais envolvidas têm tido um comportame­nto totalmente imprevisív­el. A combinação de um cenário geopolític­o delicado com imprevisib­ilidade das lideranças políticas forma um coquetel que poderá se mostrar explosivo no futuro próximo.

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