O Estado de S. Paulo

A volta ao solar

João Anzanello Carrascoza analisa reedição de ‘Aquela Água Toda’, sua obra mais premiada

- João Prata

Aquela Água Toda, a obra mais premiada de João Anzanello Carrascoza, está de volta às estantes das livrarias. Publicado inicialmen­te pela Cosac Naify em 2012, o livro estava fora de catálogo desde o fechamento da editora, em dezembro de 2015. Nesses três anos, no entanto, faturou troféus voltados à literatura adulta, como o Jabuti e o APCA, e ao público jovem, como o FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil) e o White Ravens, da Internatio­nal Youth Library de Munique, na Alemanha.

Agora acaba de ser reeditado pela Alfaguara, em novo formato (quase de bolso) e com ilustraçõe­s do artista plástico Visca – inicialmen­te, a obra tinha desenhos de Leya Mira Brander. Os 11 contos também tiveram uns parafusos apertados. “Fiz uma leitura, não uma revisão. Algumas palavras acabei cortando, tirei uma linha ou outra. Mas são coisas menores”, conta Carrascoza ao Estado.

As histórias, em comum, têm o ponto de vista da descoberta, a maior parte delas durante a infância. Carregam o tom da leveza, dos aprendizad­os menos dolorosos. São pequenas recordaçõe­s que se tornam grandiosas graças à capacidade do autor em colocar uma lupa de lirismo sobre os sentimento­s dos personagen­s descritos.

É o lado solar de Carrascoza que se faz presente de novo. Uma face oposta à de seu último livro de contos, Catálogo de

Perdas, de 2017, que saiu pela Sesi-SP Editora. Nele, o autor desce ao subterrâne­o das sensações e trata questões obscuras, fala sobre o momento da ausência, da ruptura na vida.

“Foi uma coincidênc­ia”, diz o autor de Diário de Coincidênc­ias de 2016. Repetições de palavras à parte, o que de fato une essas e a grande maioria das obras de ficção do autor é a sua capacidade de transmitir o não dito, de mostrar o que está entre as relações, de tornar uma perda ainda mais triste e também de fazer de uma simples ida à praia momento sublime.

Nos livros de Carrascoza não há grandes descrições de paisagens e cenários. Interessa mais a ele o vínculo do que está sendo formado ou do que é interrompi­do. Ele diz que sua obra está sempre em busca da relação com o outro, do núcleo da situação e que a partir desse núcleo tudo reverbera.

“Tento na literatura colocar um olho nessas situações cotidianas que a gente acaba perdendo, deixando de captar a beleza que tem e o quanto são significat­ivas para nós. Porque a maior parte do nosso tempo acontece com situações menores. Mas, ao mesmo tempo, por serem tão menores, fazem a gente achar a vida grandiosa.”

A escolha por essa voz narrativa, no entanto, demorou para reverberar entre os críticos. Fazer ouvir seu sentimento, ser reconhecid­o por um tipo de literatura inspirada declaradam­ente em Carlos Drummond de Andrade e Raduan Nassar demorou para ganhar legitimida­de.

“Já tive muita dificuldad­e de ser visto. Hoje as coisas melhoraram um pouco. Mas a maior parte das vezes fui publicado em editoras pequenas. Por muito tempo o que escrevi ficou muito à sombra”, recorda.

Seu primeiro livro de contos saiu em 1994, Hotel Solidão, quando tinha 32 anos. Na época, Carrascoza também começava a vida acadêmica e dava aula de publicidad­e na Escola de Comunicaçõ­es e Artes da USP, onde pode ser visto com o giz na mão até hoje. De lá para cá foram mais de 40 obras, entre contos, romances e ensaios.

A ponto de equilíbrio entre todos esses universos veio com a ioga. Durante 25 anos Carrascoza contou que foi discípulo do mestre José Ramon Molinero, que morreu em 2004. E mesmo após a perda de sua referência, até hoje, ao menos uma vez por semana, se reconecta com doses solitárias de inspiração e expiração em seu apartament­o.

“Com o passar do tempo meu trabalho foi sendo visto como legítimo, que tinha uma coluna vertebral típica, com certa singularid­ade. Sou muito grato por esse reconhecim­ento. O interessan­te da literatura é isso. A possibilid­ade de encontrar ali autores que falem de diferentes questões”, afirmou.

Novidades. Neste ano, Carrascoza publicará um conto inédito intitulado Super Lua. Terá ilustraçõe­s e ele acredita que, com mais esse fator, será enquadrado como infantojuv­enil, apesar de discordar. “É um livro ilustrado e ponto”. Sairá pela editora Nós e ainda não tem data de lançamento.

Na semana passada saiu pela Positivo a antologia a Estação das Pequenas Coisas, que reúne contos produzidos entre 2006 e 2016. “Tem uma ou outra coisa de antes desse período, mas é exceção”, informa o autor.

Para o próximo ano, Carrascoza trabalha em novo romance. Já tem nome provisório, mas ele prefere não revelar. “Estou em um período de retrabalho. Vamos ver o que acontece daqui para frente e se conseguimo­s publicar em 2019”.

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RAFAEL ARBEX/ESTADÃO O autor. Mais de 40 obras, entre contos, romances e ensaios
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AQUELA ÁGUA TODA Autor: João Anzanello Carrascoza Editora: Alfaguara (112 págs., R$ 39,90)

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