O Estado de S. Paulo

Viver e morrer na Mercearia São Pedro

O mais literário bar de São Paulo faz 50 anos e é lembrado por seus fregueses-escritores em coletânea de epitáfios

- Maria Fernanda Rodrigues

Rua Rodésia, 34. Ali, em 1968, a família Benuthe quase abriu uma loja de materiais de construção. Se isso tivesse acontecido, essa história nem começava. Mas Marquinhos, de 11 anos, convenceu o pai, seu Pedro, a continuar no ramo de secos e molhados. Era nisso que trabalhava­m na zona leste, antes da mudança para a Vila Madalena.

Os anos foram passando e novos produtos foram aparecendo nas prateleira­s ao lado do pão, do papel higiênico, do sorvete. Nos anos 1980, foram os filmes. Os livros chegaram nos anos 2000. E a Mercearia São Pedro se tornou o principal ponto de encontro de escritores, aspirantes a escritor, leitores e jornalista­s de São Paulo.

Neste sábado, 28, às 16 horas, parte desses célebres fregueses volta ao bar para o lançamento de O Livro dos Epitáfios, pela editora Pedra Papel Tesoura.

E por que um livro de epitáfios? “Ah, a ressaca é uma pequena morte, não? Daí os epitáfios. Sucedida pela alegria de estar com amigos numa noitada no bar amado”, responde Joca Reiners Terron, organizado­r, ao lado de Marcelino Freire, do livro que reúne epitáfios de 50 escritores, jornalista­s e artistas feitos especialme­nte para esta edição.

Há textos de avaliação e revisão, outros mais revoltosos ou engraçados. Alguns autores prometem voltar. Entre os participan­tes estão Marçal Aquino (Se houver segunda temporada, vai passar em outro canal), Lourenço Mutarelli (Eu vou, mas eu volto), Xico Sá (Aqui jaz um autor que bebeu pra carajo e escreveu socialment­e), Sérgio Roveri (Passou a vida se fingindo de morto). E ainda: Mário Prata, Mario Bortolotto, José Alberto Bombig, Ignácio de Loyola Brandão, Matthew Shirts, Bruna Beber, Marcelo Rubens Paiva, Junio Barreto e muitos outros, incluindo epitáfios ilustrados de Laerte, Manu Maltez e dos irmãos Gabriel Bá & Fábio Moon.

“Mal sabíamos que o epitáfio como gênero se aparentava à crônica. Mas parece ser isso, mesmo depois de morta a rapaziada se preocupa em tirar sarro e lamentar o que acontece entre os vivos”, diz Terron.

Marcelino completa: “O epitáfio é algo, no geral, muito divertido. Muitos autores, na história da literatura, criaram seus próprios epitáfios, riram da própria morte, ironizaram a vida que levaram, partiram tirando uma casquinha. A antologia traz muito esse clima – até a natureza dela, a ideia de sua realização, traz essa leitura irônica. Um bar, que está fazendo 50 anos, resolve beber o morto. É bem isso. A gente bebe porque sabe que a vida é curta. Nenhum fígado é eterno. Estamos antecipand­o os nossos velórios, em vida, digamos”.

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Balanço em vida. Há epitáfios escritos e outros ilustrados, como o de Laerte

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