O Estado de S. Paulo

Peça inédita de Marie NDiaye é ‘As Criadas’ ao avesso

Primeira dramaturgi­a da autora de ‘Coração Apertado’ traz madame que desapropri­a vida e família de empregada

- Leandro Nunes

O absurdo e o horror que surgem na primeira conversa entre Claire e Solange, em As Criadas, de Jean Genet, são alcançados com vertigem por Madame Lemarchand, a rica e histérica personagem de Hilda, texto inédito da autora francesa Marie NDiaye, em cartaz no Centro Cultural São Paulo. Se, no texto de Genet, a dupla de criadas mimetiza a persona da patroa, numa tentativa quase antropofág­ica, na peça de Marie, a Madame quer protagoniz­ar cada instante da vida de Hilda, que sequer aparece em cena. “Ela começa procurando um funcionári­o, porque precisa que a esposa dele seja sua empregada”, conta a atriz Cácia Goulart, que interpreta a Madame. “Aos poucos, vai vampirizan­do a vida de Hilda, seus hábitos e sua família.”

Sem direito a responder por si, Hilda será conhecida no palco por meio das falas do funcionári­o Frank (Zé Geraldo Júnior) e da irmã de Lemarchand (Beatrix Oliva), conta o diretor Roberto Audio. “A madame fica hipnotizad­a pelo nome de Hilda, seu corpo, seus filhos e seu marido. Trata-se de uma mulher que naturalizo­u a exploração. Ela acredita ser boa, empática e que está fazendo um bem para todos.”

Entre os diálogos, a dona da casa transfere Hilda para sua mansão, “emprestand­o” a mulher aos seus amigos e à sua família. No tempo livre, Madame dá banho na empregada, corta seus cabelos e a veste. “Ela confirma a ideia de que seu poder não existe sem exercer a crueldade”, diz Audio. “Mas também que sua identidade, cheia de afetações e impressões falsas sobre si mesma, tente torná-la uma sombra, não um indivíduo.”

Na encenação, luzes delimitam os espaços da grande mansão de Madame em contraste com a casa apertada de Frank. “Ela vai ultrapassa­r todos os limites, mas não quer dizer que é uma vitoriosa. Ali, todos estão perdendo”, explica o diretor.

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