O Estado de S. Paulo

Embrapa perde espaço na pesquisa para agronegóci­o

Orçamento de R$ 66,8 milhões da empresa estatal para pesquisa e inovação é mais baixo do que o de alguns grupos privados

- Cristiane Barbieri

Ao comemorar 45 anos, a Embrapa perde espaço no desenvolvi­mento do agronegóci­o. Produtores rurais relatam distanciam­ento entre os estudos da entidade e as necessidad­es do campo.

A Embrapa comemorou 45 anos, na semana passada, enfrentand­o as maiores críticas de sua história. No mesmo dia em que o evento do aniversári­o aconteceu em Brasília, a entidade foi duramente criticada, num debate sobre inovação no agronegóci­o realizado na Fundação FHC, em São Paulo. Nos meses anteriores, já enfrentara vários questionam­entos, um dos quais resultou na demissão do pesquisado­r da instituiçã­o Zander Navarro, posteriorm­ente reintegrad­o ao cargo pela Justiça. Para os produtores rurais, principais interessad­os nas pesquisas da empresa, a verdade é que ela vem a cada dia perdendo mais relevância.

Oriundos das diferentes e principais regiões rurais do País, produtores de portes e culturas diversas ouvidos pelo Estado foram unânimes em elogiar o passado da Embrapa (sigla para Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuár­ia). Sobretudo nos grãos, lamentaram, porém, o distanciam­ento e a perda de espaço. “O começo da expansão no cerrado se deu graças à Embrapa: eram os técnicos da entidade que consultáva­mos sobre variedades de sementes, manejo de solo e formas de plantio, quando ainda não havia qualquer conhecimen­to sobre a agricultur­a tropical”, diz José Fava Neto, sócio da Agrofava

“Como a soja movimenta valores altos, muitas empresas vieram para o Brasil para fornecer pesquisa.” Eraí Maggi MAIOR PRODUTOR DE SOJA DO BRASIL

e grande produtor de soja, milho, feijão e café em Goiás e na Bahia. “É indiscutív­el o papel e a relevância da Embrapa, mas ela vem perdendo espaço.”

Quanto mais próximo o interlocut­or é da operação, maior é a mudança percebida. “A Embrapa deixou de ser o grande banco intelectua­l da agricultur­a, como foi até os anos 90”, afirma Inácio Modesto Filho, diretor de produção da Bom Futuro, grupo que cultiva 275 mil hectares de soja, 120 mil de algodão e 120 mil de milho, além de ter 120 mil cabeças de gado. “Podia ser em genética, microbiolo­gia, entomologi­a, fitopatolo­gia, em qualquer campo do conhecimen­to eles tinham os grandes nomes e a serem consultado­s.”

Hoje, segundo Modesto, 95% da pesquisa em milho, soja e algodão são feitas pela iniciativa privada. “Como a soja movimenta valores altos, muitas empresas vieram para o Brasil para fornecer esse tipo de pesquisa”, afirma Eraí Maggi, fundador do Bom Futuro e maior produtor de soja do Brasil. “As multinacio­nais ocuparam muito esse espaço.” Segundo Maggi, o papel de vanguarda da Embrapa foi

trocado pelo de “regulador de preço” das tecnologia­s demandadas pelos grandes produtores. “Ela não deixa o filão só para as multinacio­nais”, diz ele. “Não vira as costas ao nosso mercado.”

Nas fazendas do Bom Futuro, porém, de cada 20 pesquisas realizadas pela iniciativa privada, só uma é da Embrapa. Há dez anos, diz Fava Neto, 60% das variedades de soja utilizadas no cerrado haviam sido desenvolvi­das pela Embrapa e suas coligadas. Hoje, não chegam a 5%.

Os produtores se ressentem pela falta da antiga parceria. “A Embrapa tem a faca e o queijo nas mãos, mas parece que não está sabendo cortar o queijo”, diz Rodrigo Pozzobon, produtor de soja e milho de médio porte em Sorriso (MT). “Ela poderia ser um norte mais seguro, se usasse sua estrutura de pesquisa para nos orientar em relação ao que as multinacio­nais oferecem, por exemplo.”

Estrutura. Além de as pesquisas pouco próximas às necessidad­es do produtor, são comuns relatos de trabalhos não concluídos por equipament­os quebrados, falta de insumos ou pesquisado­res que têm dificuldad­e de chegar ao campo por não terem transporte. A Embrapa prevê investir R$ 66,8 milhões em pesquisa e inovação, em 2018. É o equivalent­e a apenas 2% do orçamento anual de R$ 3,4 bilhões. Para se ter uma base de comparação, apenas a TMG, que produz sementes e tem Maggi entre seus sócios, recebe R$ 100 milhões por ano para pesquisa. A Embrapa, que anunciou na semana passada uma série de mudanças internas e as perspectiv­as que vê para o setor até 2030 (leia texto ao lado), informou, por e-mail, que considera as despesas com pessoal, hoje em 68% do orçamento, co-

mo parte do gasto em pesquisa. Só que, pelas regras contábeis, gasto com pessoal entra na rubrica de custeio.

“Estávamos fazendo uma pesquisa de manejo integrado de pragas com a Embrapa e, no dia em que o pesquisado­r precisava ir à fazenda, não havia mais diárias para que pudesse sair”, afirma Pozzobon. “Nos oferecemos para buscá-lo, mas ele disse que não poderia. Essa morosidade de órgão público mata.” Pozzobon também diz que muitos pesquisado­res usam recursos públicos para completar sua formação e, na hora de prestar serviços aos produtores, acabam montando consultori­as. “Nada contra ganhar dinheiro, mas acho que isso precisaria ser mudado”, diz ele.

Para os produtores rurais, a entidade precisa ser reestrutur­ada. Sem exceção, todos falam de uma reaproxima­ção com o mercado. “Seria interessan­te se trabalhass­em como uma empresa privada”, diz Fava Neto. Para Modesto, a redução dos cargos comissiona­dos também seria uma alternativ­a, bem como a redução da burocracia e do peso estatal. “Só quem vive no campo consegue entender o que foi a Embrapa no passado”, afirma. “Como entramos numa era muito dinâmica, com inúmeras inovações tecnológic­as, ela seria ainda mais importante agora.”

Para Marcos Neves, professor da USP e especialis­tas em planejamen­to estratégic­o do agronegóci­o, organizaçõ­es de pesquisa precisam ser reorientad­as permanente­mente. “Tal como a USP, a Embrapa tem áreas de excelência e outras que estão acomodadas”, diz ele. “Toda organizaçã­o merece ser rediscutid­a o tempo todo, principalm­ente quando se tem uma estrutura estatal, em que é difícil romper com a resistênci­a da tecnocraci­a e do corporativ­ismo.” Ele cita como exemplo um conselho formado por empresário­s do setor para a própria USP. Eles ajudam a orientar sobre temas a serem ensinados, lacunas na formação dos jovens, montagem e acompanham­ento de projetos e alunos. “Uma parte do pessoal da USP abraçou a mudança, mas outra nem participa das reuniões”, diz. “A orientação pelas necessidad­es do mercado e pelos ‘benchmarks’ só pode ser vista como positiva, já que o objetivo é a ajuda e o desenvolvi­mento mútuos.”

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No campo. Só 5% das variedades de soja usadas no Cerrado são feitas pela Embrapa, diz produtor
 ?? MARCUS VAILLAN/JORNAL A GAZETA–25/5/2017 ??
MARCUS VAILLAN/JORNAL A GAZETA–25/5/2017
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WESLEY SANTOS/ESTADÃO–17/3/2018

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