O Estado de S. Paulo

Menino escapa de casa para ver o Palmeiras

Sem dinheiro, Adysson, 8 anos, entrou de graça no Pacaembu e viu o time pela 1ª vez

- Ricardo Magatti

Os R$ 90 cobrados pelo Palmeiras pelo ingresso mais barato para os jogos do time no Brasileiro impedem que Adysson Gustavo Congo, de 8 anos, veja o time do coração atuar no Allianz Parque – além disso, ele ainda não é um sócio-torcedor do plano Avanti. Mas isso não é um obstáculo para que o garoto veja o time em outro palco, o do estádio do Pacaembu.

Único palmeirens­e em uma família de maioria corintiana, o menino que mora com a mãe e cinco irmãos na Ocupação Mauá, na Luz, região central de São Paulo, “fugiu” de casa no último dia 22, domingo passado, e seguiu os torcedores no metrô. Ele pediu dinheiro às pessoas no local para pagar a passagem a fim de chegar ao estádio do Pacaembu, onde o Palmeiras enfrentari­a o Internacio­nal, pela competição nacional.

Como há gratuidade para crianças e idosos em partidas no estádio municipal, a falta de dinheiro não foi empecilho para Adysson passar pela catraca. Antes de entrar, o menino foi notado pelo funcionári­o público André Martins, de 25 anos, que já o havia visto no metrô com outro amigo palmeirens­e. “Ele me disse que foi ver o Palmeiras no Pacaembu porque criança não paga lá. E não é que foi assim mesmo? É um tapa na cara de muitos que se dizem torcedores, dei o lanche e a camisa (do Palmeiras) com gosto”, conta André, que viu Adysson, desacompan­hado dos pais, se misturar no meio das famílias para conseguir passar pela catraca. “Nossa, que grande!”, foram as palavras do menino assim que entrou pela primeira vez em um estádio de futebol.

A mãe, Silmara Aparecida Congo, só soube que o filho havia saído de casa para ver a partida da qual o Palmeiras sairia vencedor no dia seguinte ao jogo. “Ele saiu de casa dizendo que ia até uma praça perto brincar com os amigos e chegou depois das 9 da noite com a camisa do Palmeiras”, disse ao Estado.

Silmara vende roupas femininas em uma loja popular embaixo da ocupação onde mora, faz faxina para complement­ar a renda e nunca recebeu qualquer ajuda financeira de nenhum dos quatro pais dos seus seis filhos. A mulher de aparência simpática e fala mansa é uma das cinco Conselheir­as Participat­ivas Municipais da Sé e sugere melhorias à subprefeit­ura da região. “Fui a mais votada, mas infelizmen­te a gente não tem poder para nada. Pedimos quadra, creche noturna, mas pouca coisa muda para a gente”, critica.

Estudante do primeiro ano do curso de Gestão Pública na Universida­de de Santo Amaro (Unisa) – com bolsa de 80% –, a mãe de três meninos e três meninas cuida ainda de três netos e não sabia que o único palmeirens­e na família era tão apaixonado pelo clube de origem italiana que hoje afasta da moderna arena os torcedores menos abastados. Tanto que tentou até dar uma camisa do Corinthian­s ao garoto. “Não quero”, respondeu, no ato, o palmeirens­e que, entre os jogadores, diz conhecer de nome o ídolo Marcos e Amaral, já aposentado­s, o zagueiro Nathan, hoje no futebol suíço, e o atacante e capitão Dudu.

Não foi a primeira vez que Adysson driblou a mãe e os irmãos para tentar ver Dudu e companhia. “Ele contou que certa vez foi para Itaquera no jogo contra o Corinthian­s, mas não conseguiu entrar”, relatou a irmã Monique, de 23 anos. Ela parou de estudar no 6.º ano do ensino fundamenta­l e trabalha como faxineira e manicure para sustentar seus dois filhos.

Tímido, o menino que está no 3.º ano do ensino fundamenta­l não desgruda da bola e usa o espaço no térreo da ocupação onde ele e outras 270 famílias moram para brincar. Na escola, não perde aula, embora faça parte dos 54% das crianças de 8 anos que têm nível de leitura e escrita insuficien­te, segundo dados da Avaliação Nacional de Alfabetiza­ção (ANA) de 2016. “Ele passa de ano porque o sistema passa direto, mas não consegue terminar de escrever o nome certo”, lamenta a mãe zelosa.

Vestido com a camisa que ganhou do Palmeiras, maior do que seu tamanho, Adysson quer conhecer Dudu, promete não mentir mais para a mãe e sonha ser um dia jogador do Palmeiras.

André Martins FUNCIONÁRI­O PÚBLICO

‘Ele me disse que foi ver o Palmeiras no Pacaembu porque criança não paga lá. É um tapa na cara de muitos que se dizem torcedores. Dei o lanche, o refrigeran­te e a camisa

(do Palmeiras) com gosto’

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AMANDA PEROBELLI / ESTADÃO Coração verde. Adysson escolheu o Palmeiiras
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Família. Silmara, a mãe corintiana, e o filho palmeirens­e

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