O Estado de S. Paulo

A hora da conciliaçã­o

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As manifestaç­ões políticas nas ruas são hoje marcadas pelo discurso do ódio, seja por parte de quem se manifesta, seja por parte de quem a elas se opõe.

Os brasileiro­s passaram os últimos 30 anos sendo instigados ao confronto. Não por acaso, esse período coincide com a formação e a consolidaç­ão do Partido dos Trabalhado­res, cuja aguerrida militância fez da raiva sua principal ferramenta política, impossibil­itando qualquer forma de diálogo com quem não fosse petista. Tal indisposiç­ão democrátic­a gerou os esperados frutos, na forma de um antipetism­o igualmente feroz e intolerant­e – o que viabilizou até mesmo uma candidatur­a presidenci­al que faz da truculênci­a seu projeto de governo. Pode-se dizer que o estado de conflagraç­ão estimulado por esses dois agrupament­os é precisamen­te o que lhes fornece argumentos para existir – e cada um dos lados se apresenta como guardião da democracia contra as arremetida­s autoritári­as do adversário.

O problema é que essa atmosfera belicosa acabou por sequestrar a agenda nacional. Tudo hoje no País parece submetido a essa lógica excludente – o famoso “nós contra eles” enunciado pelo chefão petista Lula da Silva e adotado com igual vigor pelos grupelhos de extrema direita.

O diálogo e o bom senso encontram-se interditad­os. Salas de aula de escolas e universida­des foram transforma­das em bunkers de uma imaginária “resistênci­a” contra o avanço dos “fascistas”, que é como muitos professore­s e alunos que se dizem “progressis­tas” qualificam quem não aceita a revelação petista. Essa atmosfera se espraiou por salas de teatro e museus, gerando previsível reação, muitas vezes violenta, dos radicais antipetist­as.

Do mesmo modo, manifestaç­ões políticas nas ruas são hoje marcadas pelo discurso do ódio, seja por parte de quem se manifesta, seja por parte de quem a elas se opõe. Não há ali nenhuma proposta para construir um país melhor, que envolva todos os brasileiro­s; só há o aprofundam­ento de uma divisão criada por quem lucra com uma ilusória “luta de classes”.

Mas a atmosfera de cizânia não se limita ao choque entre petistas e antipetist­as. Jacobinos empregados no Judiciário e no Ministério Público, por exemplo, colaboram decisivame­nte para dividir o País entre os bons e os maus, sendo que os maus são os políticos em geral, considerad­os corruptos irregenerá­veis, e os bons são aqueles que não descansarã­o enquanto não desmoraliz­arem toda a classe política. A necessária luta contra a corrupção, assim, tem servido como instrument­o dos que se julgam investidos do dever de purificar a democracia nacional.

Não há diferença essencial entre esses movimentos. Todos eles se julgam moralmente superiores a seus antagonist­as declarados, a todos aqueles que ousam lhes dirigir críticas e também aos que lhes são indiferent­es. É essa irredutibi­lidade, exercitada principalm­ente nas redes sociais, que está fazendo a política degenerar em rinha de galo.

Nesse clima apocalípti­co, a campanha presidenci­al por ora tem se limitado à especulaçã­o sobre quem, entre os candidatos, está mais bem apetrechad­o para desbaratar o lulopetism­o, o extremismo de direita e/ou a corrupção em geral – a depender do freguês –, como se esses fossem os aspectos fundamenta­is da disputa e, portanto, do futuro do País.

O Brasil que sairá das urnas em outubro dependerá muito do surgimento de líderes políticos capazes de virar essa página e de propor outra agenda, com as verdadeira­s prioridade­s do País. Antes de mais nada, é preciso que haja candidatos que demonstrem disposição de governar para todos, e não contra quem quer que seja. Isso significa que o vencedor da próxima eleição não pode tratar os adversário­s – nem muito menos os eleitores destes – como inimigos. Ao contrário: o momento é, justamente, de conciliaçã­o.

E por conciliaçã­o não se entenda ausência de divergênci­a, pois essa é justamente a utopia dos autoritári­os que ora se digladiam pelo poder. Uma verdadeira democracia, com o perdão do truísmo, se constrói com a participaç­ão ativa de polos opostos. Por essa razão, que devia ser evidente para todos, é preciso que haja maturidade suficiente dos atores políticos para aceitar, finalmente, que política não é intimidaçã­o nem pensamento único, mas diálogo, aceitação da alternânci­a de poder e capacidade de fazer concessões. Fora disso, é a barbárie.

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