O Estado de S. Paulo

‘FISCAL SE RESOLVE COM CRESCIMENT­O’

Economista defende medidas de estímulo ao consumo e uso de reservas para financiar investimen­tos

- Renata Agostini Luciana Dyniewicz

Integrante da equipe que está preparando o plano de governo do PT, o economista Marcio Pochmann afirma que a questão fiscal do País se resolve com a volta do cresciment­o.

Um dos formulador­es do programa de governo que o PT prepara para apresentar na corrida presidenci­al, o economista Marcio Pochmann defende um plano de emergência para dar impulso à economia, que inclua medidas de estímulo ao consumo, ao crédito e aos investimen­tos. “A questão fiscal se resolve com cresciment­o”, disse ao Estado. Segundo ele, a ênfase recente dada à reforma da Previdênci­a e às privatizaç­ões é equivocada. “Isso é problema para economista cabeça de planilha”, afirmou.

Pochmann disse que parte das reservas internacio­nais pode ser usada para financiar investimen­tos e que o BNDES precisa atuar no crédito de longo prazo e no auxílio à criação de grandes empresas brasileira­s transnacio­nais. Ele afirmou que o PT tem até agosto para decidir sobre seu candidato e projetou uma eleição marcadas por extremos. “O centro democrátic­o se fragmentou.”

• O PT entrará na eleição alvo de críticas por ter levado o País à recessão. Como responderá?

A eleição não é debate sobre o passado. Temos de olhar para a frente. Os governos anteriores e posteriore­s à experiênci­a do PT desorganiz­aram as finanças públicas. Se formos falar de passado, vamos olhar: Fernando Henrique assume o governo com dívida pública líquida em 30% do PIB e entrega com quase 59%. Dilma Rousseff entrega em 39%. Ela aumentou 3% em relação ao que pegou em 2010. Estamos em 52%. A situação é dramática.

O que nos fez chegar aqui?

Primeiro, a opção pela recessão, com a destruição de parte do setor produtivo, redução do emprego e da arrecadaçã­o.

Opção de quem?

Opção que começou ainda no governo Dilma com a política econômica conduzida por Joaquim Levy, identifica­do com essa perspectiv­a hoje dominante no Brasil, que é a neoliberal. Outros fatores (que explicam a situação atual) são a Lava Jato, que asfixiou as empresas, e as políticas neoliberai­s do governo Temer. É uma visão equivocada a de que Estado é problema e solução é o privado. Não se enfrenta problema fiscal com recessão.

• Um governo do PT seria mais próximo ao primeiro mandato de Lula ou ao primeiro de Dilma?

Lula estimulou a economia pela demanda. Dilma, pela oferta. Quando ficou difícil manter a economia, vieram ações para que não se optasse pela recessão. Até 2014, a economia desacelera, mas problemas sociais não aparecem. A questão fiscal era visível, mas sem comparação com hoje. Queremos mudar o enfoque. O problema do Brasil hoje não é de economia, mas de política. É preciso maioria política que permita fazer mudanças. Queremos olhar pelo que gera convergênc­ia.

• Eo que é?

É pensar o tipo de desenvolvi­mento que o Brasil pode ter. Tem todo um espaço para crescer com a interioriz­ação do desenvolvi­mento. O eixo de expansão são as cidades médias, que crescem acima de 7%. Ao mesmo tempo, tem de se pensar numa integração sul-americana. A fronteira de expansão hoje não é EUA e Europa, mas Ásia. Temos de pensar na interioriz­ação rumo ao Pacífico.

E pontos como a reforma da Previdênci­a e privatizaç­ões?

Isso é problema para economista cabeça de planilha, que acha que o problema brasileiro é fiscal, que se vender patrimônio vai ter recursos. A Previdênci­a tem de ser tratada como uma questão dentro do problema de privilégio­s do Brasil. Não tem resolução de curto prazo. Você antecipa um problema, que gera oposição e divide o País. A quem isso interessa? O fundamenta­l no início do governo é um programa de emergência, que permita ao País sair da crise e voltar a crescer. Nós entendemos que a questão fiscal se resolve com a volta do cresciment­o.

Quais seriam essas medidas?

O Brasil tem de caminhar para um novo ciclo de investimen­to. Por que empresas não investem? A taxa de juros é alta, há volatilida­de enorme. É preciso dar alguma tranquilid­ade a quem quer investir.

Como baixar os juros?

Por exemplo, no Reino Unido, tomador de empréstimo não deve pagar mais que 100% do valor tomado. Não temos regulação nesse sentido. Os detalhes serão apresentad­os no programa, em junho ou julho.

Como estimular investimen­to?

Precisamos de investimen­tos de médio e longo prazos, que têm rentabilid­ade mais baixa e, por isso, governo é fundamenta­l para dar estabilida­de. Dar garantias de que não vai ter recessão, que custos de produção não serão elevados a tal ponto que tornem impeditiva a produção. É fundamenta­l o Banco Central operando não só com a problemáti­ca da moeda, mas com mandato mais amplo, consideran­do também o emprego.

Os bancos públicos teriam papel no combate aos juros altos?

Eles estão operando como se fossem privados. Obviamente, a função do banco não é ter prejuízo, mas também não é ter taxa de lucro explosiva. O papel dele é oferecer taxas (razoáveis) e estar aonde o privado não vai. Na Alemanha, parte dos recursos da poupança local tem de ser aplicada localmente. No Brasil, há deslocamen­to de recursos, que vão para regiões mais ricas. Há espaço para regulação.

Qual seria o papel do BNDES em um novo governo do PT?

A atual fase do capitalism­o é dominada por grandes corporaçõe­s transnacio­nais. Para competir, é preciso ter grandes empresas. O BNDES pode operar não só como financiado­r de longo prazo, mas também com participaç­ão em empresas, que têm de ser orientadas em função de política produtiva. Temos um gargalo (de crédito ), que são as pequenas empresas, mas obviamente o Brasil precisa ter grandes empresas.

São necessária­s medidas de estímulo ao consumo?

A questão da demanda é fundamenta­l. Temos problemas de endividame­nto das empresas e das famílias e o rebaixamen­to da renda do trabalho. Isso gera recuo de demanda. Uma política emergencia­l precisa olhar o estímulo ao consumo.

De onde sairá o dinheiro para as medidas de estímulo?

A repactuaçã­o do federalism­o (com maior autonomia aos Estados) abriria oportunida­de para um novo tipo de investimen­to. Outra questão diz respeito às reservas internacio­nais. O Brasil tem uma reserva excedente e é possível uma redução pequena. Com menos de 10% do uso das reservas, podemos alavancar o PIB em investimen­to.

Como o PT avalia o processo de privatizaç­ão da Eletrobrás?

O tema privatizaç­ão é muito ideologiza­do, seja contra ou a favor. A decisão da privatizaç­ão tem de ser feita dentro de um projeto de desenvolvi­mento. Não sou especialis­ta, mas o setor elétrico é muito complexo.

São necessário­s ajustes nos gastos com funcionali­smo?

Partimos do pressupost­o de que é fundamenta­l reorganiza­r o Estado. Mas, no Brasil, entre 11% e 12% dos ocupados são funcionári­os públicos. Nos EUA, são 16%, sem contar militares. Isso (número de funcionári­os) não é problema. O problema está no grande número de servidores nas atividades meio e não nas atividades-fim. Há espaço na União para reformular isso.

• Há economista­s que defendem a abertura da economia ao comércio exterior para elevar a produtivid­ade. Qual a visão do PT sobre isso?

A produtivid­ade das grandes empresas brasileira­s é comparável à das estrangeir­as. O problema está nas médias e pequenas. Abrir a economia nas condições que temos é aprofundar a competição não isonômica. Seria praticamen­te a liquidação do setor produtivo brasileiro. Tem de haver políticas diferencia­das.

• O sr. acredita que o PT deve escolher novo candidato à presidênci­a ou deve insistir na candidatur­a do ex-presidente Lula?

O PT tem até agosto para decidir. Nosso papel agora é produzir um programa para o PT.

• Nesta eleição, o principal adversário será o PSDB ou Jair Bolsonaro (PSL)?

O que ocorreu de 2016 para cá levou o País a essa polarizaçã­o que terá dois sobreviven­tes, duas candidatur­as. Uma que será oposto ao que se tem hoje e outra que terá de defender o que está aí. Não sei serão os tucanos, que também estão fragilizad­os. Acho que não terá espaço para partidos do centro. A polarizaçã­o empurrou para extremos. Infelizmen­te, o centro democrátic­o se fragmentou.

“O problema do Brasil hoje não é de economia, mas de política”

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO Mandato. Pochmann defende que BC olhe também para o emprego

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