O Estado de S. Paulo

A academia dominada

A doutrinaçã­o ideológica é um atentado à academia, que se vê despojada da verdade em ambiente de liberdade.

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Ao tratar dos direitos fundamenta­is, a Constituiç­ão de 1988 fez uma enfática defesa da liberdade de pensamento e de expressão. “É livre a manifestaç­ão do pensamento” e “é livre a expressão da atividade intelectua­l, artística, científica e de comunicaçã­o, independen­temente de censura ou licença”, dispõe o art. 5.º, IV e IX. A Carta Magna ainda assegurou que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política” (art. 5.º, VIII).

Com a menção detalhada a essas garantias, a Assembleia Constituin­te pretendia instaurar no País um novo ambiente de liberdade, diferente do cenário visto no regime militar. Desde então, houve inegáveis avanços no exercício da liberdade no País. Há, no entanto, uma esfera em que, estranhame­nte, perdura uma severa censura contra quem não compartilh­a as ideias majoritári­as. Fazemos referência ao ambiente acadêmico.

Em artigo publicado no Estado, o professor Carlos Maurício Ardissone (A ditadura na academia e o golpe de 2018, 22/4/2018) denunciou a falta de liberdade na academia. “É bastante duro, para não dizer impossível, ser ao mesmo tempo liberal e professor de Ciências Sociais no Brasil”, escreveu Ardissone.

“O professor de Ciências Sociais que ousa questionar a cartilha marxista-gramsciana predominan­te e se recusa a se comportar como um intelectua­l orgânico em sala de aula enfrenta duras penas: é tachado de reacionári­o por muitos colegas, torna-se alvo de risadinhas e fofocas na sala de professore­s e frequentem­ente é punido com a perda de disciplina­s e prejudicad­o em bancas de seleção para muitas universida­des públicas por não integrar nenhuma das panelinhas ideológico-partidário-sindicais que dominam os corpos docentes nessas instituiçõ­es”, relatou o professor.

Se já é um absoluto contrassen­so a existência desse tipo de perseguiçã­o dentro de uma universida­de, que deve ser regida por um profundo espírito de liberdade, pluralismo e tolerância, pior é que esse abuso tenha se tornado coisa corrente. De tão comum, esse sequestro ideológico é visto como elemento natural de quase todas as instituiçõ­es acadêmicas, especialme­nte as públicas. É um disparate que o dinheiro do contribuin­te seja usado para sustentar violações à liberdade de pensamento e de expressão.

Junto a esse “ambiente repressivo que, diariament­e, constrange inúmeros professore­s liberais, aos quais é imposta uma lei de silêncio quase marcial, por causa do temor de possíveis retaliaçõe­s”, escreveu Ardissone, há uma incansável doutrinaçã­o dentro da sala de aula por parte de “muitos dos professore­s marxistasg­ramscianos (...). Como estão convictos de que conhecem intimament­e a fórmula para a redenção da humanidade e de que detêm o monopólio da virtude, naturaliza­m o processo de aliciament­o ideológico que diariament­e é realizado em grande parte das escolas e universida­des do Brasil. Convocam alunos para passeatas e panfletage­ns de partidos, candidatos e sindicatos, sem a menor cerimônia. Pressionam­nos a se envolver e a apoiar agendas de movimentos sociais de esquerda, dentro e fora da sala de aula. Tudo sem jamais oferecer contrapont­o digno de nota e confiança, nos conteúdos que supostamen­te cumprem como profission­ais de magistério”.

Essa doutrinaçã­o ideológica é um atentado à academia, que se vê despojada de sua mais profunda missão: a busca da verdade num ambiente de plena liberdade. Por óbvio, tal aparelhame­nto ideológico da universida­de também gera efeitos muito além dos bancos acadêmicos. É todo um conjunto de ideias, quase sempre muito frágeis e irrealista­s, que ganham ar de verdade incontestá­vel. Neste sentido, como não ver a relação entre a crise política, econômica, social e moral que o País atravessa e os abusos ideológico­s cometidos diariament­e nas universida­des? A academia tem um papel decisivo para o País. Urge resgatar sua dignidade, devolvendo a liberdade de pensamento e de expressão a professore­s, pesquisado­res e alunos.

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