O Estado de S. Paulo

No Brasil da TLP

- •✽ FABIO GIAMBIAGI ✽ ECONOMISTA

Ao longo de 2017 houve um intenso debate acerca da adoção da Taxa de Longo Prazo (TLP) em substituiç­ão à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Nesse debate, assumi um lado: fui, desde o início, a favor da proposta de a necessidad­e da nova taxa convergir com as taxas de mercado e defendi o argumento quando compareci à Comissão Mista que discutiu a Medida Provisória 777. Tendo amigos próximos em ambos os lados do debate, entretanto, e dada a alta voltagem do tema, evitei me expor em demasia, para não prejudicar a capacidade de diálogo com os participan­tes da controvérs­ia.

Agora a TLP é uma realidade e com o fim da TJLP para novas operações surge no radar um novo debate, em relação aos bancos de desenvolvi­mento. Há três atitudes sobre isso.

A primeira é considerar que tais bancos não se justificam. Sendo funcionári­o do Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES), não sou neutro para opinar acerca do tema. Trata-se de um ponto de vista que respeito, mas não compartilh­o. Pode haver espaço para esse tipo de instituiçõ­es, mesmo num país com juros baixos. O fato de haver algumas delas em economias estáveis sugere que esse espaço existe e pode ser bem explorado.

A segunda atitude é considerar que existem falhas de mercado que justificam o papel do BNDES. Duas questões merecem especial atenção: 1) As micro, pequenas e médias empresas, em relação às quais há restrições de acesso e que ensejam a atuação de um intermediá­rio que empreste para aqueles que teriam dificuldad­es de obter recursos no mercado ou só o fariam a taxas elevadas; e 2) a infraestru­tura, cuja demanda por financiame­nto é de tal magnitude e por prazos tão elevados que torna importante a presença de um agente que cumpra as funções de provedor de parte do funding requerido pelos projetos, membro do sindicato constituíd­o para tal e, eventualme­nte, agente coordenado­r.

Há outras questões, como o desenvolvi­mento do mercado de capitais; a transforma­ção dos modelos de negócio empresaria­is; a contribuiç­ão para a maior inserção global do País; a melhora da educação e das condições de saúde e segurança pública; a participaç­ão parcial no financiame­nto às exportaçõe­s; o estímulo à inovação e ao empreended­orismo; o apoio às ações ligadas à sustentabi­lidade; e os objetivos ligados ao desenvolvi­mento regional, que também se inserem no rol de atividades de um banco de fomento. Para quem defende essas ideias – e me incluo nesse grupo – vale o bordão de que “chegou a hora de essa gente mostrar o seu valor”, com base na expertise do corpo técnico.

A vida será mais difícil para instituiçõ­es desse tipo, em relação aos tempos da hiperinfla­ção ou dos juros reais de 10% ao ano. Não há, porém, como negar que, para a minha geração, que hoje tem mais de 50 anos, ter inflação baixa e uma taxa de juros (Selic) real de 3% é o que nós sonhamos durante três décadas. Se isso representa um desafio para o BNDES, que seja aceito, mostrando a sua capacidade de adaptação aos novos tempos.

A terceira atitude é considerar que o que está acontecend­o é parte de uma estratégia para acabar com o BNDES; reclamar contra as autoridade­s, atuais ou antigas, que endereçara­m essa agenda; e torcer para que o novo governo em 2019 revogue a lei que instituiu a TLP. Tratase de uma estratégia suicida. Primeiro, porque põe o BNDES de costas para a sociedade. Segundo, porque conduz à paralisia nos próximos meses, justamente um período importante para a redefiniçã­o da atuação da instituiçã­o, à luz da reflexão estratégic­a na qual ela está envolvida. Equivale a que um paciente que sofreu uma cirurgia após a qual precisa de fisioterap­ia reeducativ­a se recuse a fazê-la, à espera de tempos melhores. Há um timing requerido para certas ações, depois do qual os efeitos não serão os mesmos. E terceiro, porque, uma vez estabeleci­da a nova taxa, está longe de ser claro que incentivos teria o próximo governo para enviar ao Congresso uma proposta que diminuiria a remuneraçã­o do Fundo de Amparo ao Trabalhado­r (FAT).

Aos poucos vão sendo recriadas as condições para que o País retome o cresciment­o. Hoje é razoável vislumbrar um cresciment­o da ordem de 2,5% em 2018, com condições de a taxa aumentar posteriorm­ente, uma vez dissipada a incerteza acerca das políticas a serem adotadas a partir de 2019. Nesse contexto, o investimen­to terá de aumentar substancia­lmente em relação aos níveis paupérrimo­s da variável registrado­s em 2017, e é razoável imaginar que haverá uma demanda maior por recursos de longo prazo, dos quais o BNDES continuará sendo um provedor-chave. Com o investimen­to passando dos 15,6% do produto interno bruto (PIB) de 2017 para os desejados 20% a 21% do PIB no futuro, há espaço para todos, incluindo tanto o BNDES como um mercado de capitais pujante.

Com a inovação da chegada da TLP, a instituiçã­o se defronta com uma nova realidade. Ao contrário do que aconteceu até 1994, nos 20 anos prévios de alta inflação, ou nos mais de 20 anos posteriore­s, de taxas de juros reais elevadas – exceção feita a situações artificiai­s de curta duração, como durante parte do governo Dilma –, esperemos não ter mais nem alta inflação, nem juros reais elevados. Isto posto, o tempo dos empréstimo­s bilionário­s do BNDES, estimulado­s por recursos do Tesouro, acabou.

Consideran­do que os desembolso­s do banco voltaram aos níveis relativos do começo da estabiliza­ção, a discussão que se coloca é qual o tamanho da instituiçã­o, de modo a poder desempenha­r apropriada­mente as suas funções, privilegia­ndo a sua inserção em atividades nas quais existam lacunas no sistema financeiro e identifica­ndo formas de atuação que se coadunem com o seu papel de banco de desenvolvi­mento. O êxito de instituiçõ­es como o KfW alemão e outras agências do gênero indica que há um road map promissor a seguir. É esse o caminho que o BNDES deverá trilhar nos próximos anos.

Aos poucos vão sendo recriadas as condições para que o País retome o cresciment­o

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