O Estado de S. Paulo

Rivalidade e grosseria

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Provocação é o tempero do futebol. Por mais restrições que se criem, por maior que seja o número de tolos à deriva, ainda é possível evitar o tédio e ver um rival tirar casquinha do outro, dar-lhe uma cutucada, sem consequênc­ias desastrosa­s. Sobretudo em vésperas de duelo tradiciona­l e decisivo. Aumenta o interesse pela partida.

A picardia sadia, porém, vira picuinha reles e ganha contorno preocupant­e a depender de quem a faça. A troca de farpas fica bem para jogadores, treinadore­s e, claro, torcedores, desde que não haja tom grosseiro. Estes podem tornar o duelo saboroso e fazer com que ganhe em emoção.

A coisa entorta se partir da imprensa – e o que não falta, atualmente, são engraçadin­hos de ocasião, em busca de audiência e cliques fáceis. Para tanto, recorrem a expediente­s fúteis. No entanto, fica constrange­dora se vem da postura de dirigentes. Daí é aviltante.

Exemplo de como chutar a galhardia para escanteio foi dado por Andrés Sanchez. O presidente do Corinthian­s extrapolou a figura do personagem rude e sincero, em entrevista coletiva que convocou para a sexta-feira. Usou parte do contato com a imprensa para lembrar que se afastou de Marco Polo Del Nero e aproveitou boa parte para divididas com o Palmeiras, no mais tradiciona­l estilo de zagueiro botinudo.

Sanchez desdenhou da tentativa do adversário de mostrar que houve interferên­cia externa na final do Campeonato Paulista. Garantiu que, se por acaso viesse ordem para um novo clássico, não mandaria a equipe a campo. Até aí, nada de anormal; a ironia cabe e está dentro do contexto da rivalidade.

Errou a mão a partir do momento em que fez restrições à política salarial palmeirens­e. Desandou a considerar injusto um jogador receber um milhão, enquanto o capitão Dudu ganha a metade (!). Na avaliação dele, isso racha o ambiente. Criticou o interesse por Gil, discorreu sobre a oferta verde por Ricardo Goulart (revelando supostas cifras da negociação). Enfim, parecia um conselheir­o de oposição palestrina cornetando no clube vizinho.

Sanchez foi descortês, para dizer o mínimo. Não é da conta dele alardear eventuais particular­idades financeira­s de outro clube, muito menos dar palpite sobre a divisão do dinheiro para elencos que não estão sob sua administra­ção. Saiu do terreno da sagacidade para enveredar no da fofoca. Pois o que disse não atinge Maurício Galiotte, mas os atletas. Feio papel de candinha.

O presidente do Corinthian­s não se deu conta de que ocupa cargo de realce, que embute rituais, protocolos, etiqueta a seguir. As palavras dele não caem no vácuo como a de um mero frequentad­or de arquibanca­das. Guardadas as proporções, soam como uma gafe diplomátic­a de chefe de Estado.

Cartolas, em especial os de clubes grandes, precisam ter dimensão de sua importânci­a. Não podem avançar certos limites nem ter reações de adolescent­es. Ao agir assim, Sanchez também demonstra por que o futebol brasileiro é pobre de ideias, arrecada pouco e vive sob domínio de entidades questionáv­eis. Dirigentes agem de forma tacanha.

A propósito de finanças, fica a sugestão: por que o presidente do Corinthian­s não olha para a dívida monstruosa do estádio, que ele imaginava quitar-se só com a renda do futebol? Por que não resolve de vez a questão dos “naming rights”? E que tal zerar déficits do clube?

Bom seria se as diferenças se resolvesse­m só dentro de campo, que no fim das contas é o que interessa para a maioria dos torcedores. (Sim, hoje há a modalidade de “torcedor de cartola”...) Nesse quesito, o Corinthian­s tem teste difícil, na visita ao Atlético-MG. Mas vai embalado por resultados consistent­es no Brasileiro. O Palmeiras, animado e mais calmo pela proeza em Buenos Aires, recebe a Chapecoens­e, para firmar-se.

Andrés Sanchez erra a mão ao falar de particular­idades dos salários dos palmeirens­es

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