O Estado de S. Paulo

Previdênci­a 2.0

- GUSTAVO H.B. FRANCO

Odebate sobre a Previdênci­a esteve muito focado no INSS, o instituto através do qual trabalhado­res empregados recolhem uma contribuiç­ão que é utilizada para os pagamentos aos inativos. É um sistema, digamos assim, “da mão para a boca”, ou mais precisamen­te de uma mão (jovem) para outra boca (inativa), e que pode ficar seriamente desequilib­rado com mudanças demográfic­as. Pouco se falou, no entanto, sobre previdênci­a complement­ar em regime de capitaliza­ção, aquela onde o indivíduo se aposenta com o que poupou, incluído o rendimento adequado do seu dinheiro.

Na verdade, se a “reforma da Previdênci­a” serve para assegurar uma velhice confortáve­l ao cidadão contribuin­te, deveria cuidar de mudanças coordenada­s nesses dois pilares do sistema, e em especial do segundo.

A primeira vantagem de se trazer a Previdênci­a por capitaliza­ção para o debate é a de oferecer um conceito intuitivo de aposentado­ria justa: aquela que resulta diretament­e do esforço de poupança do contribuin­te somado à poupança feita a seu favor pelo seu empregador nos termos combinados em seu contrato de trabalho.

Se o cidadão, ao se aposentar, ganha mais do que isso, será em razão da generosida­de da sociedade em assim presenteá-lo e necessaria­mente às custas de terceiros que nada têm com o assunto. Analogamen­te, se receber menos, será porque o governo lhe surrupiou um pedaço em benefício de algum escolhido das autoridade­s. Como seria possível criar uma Previdênci­a por capitaliza­ção em larga escala no Brasil?

Resposta: através de poupanças previament­e acumuladas pelas pessoas, nem sempre voluntaria­mente, e que têm sido utilizadas para outros fins. Estamos falando do FGTS, um fundo que tem 86,4 milhões de quotistas, mas cuja utilização passa bem longe dos melhores interesses dos donos do dinheiro. O FGTS é caro, mal gerido e remunera miseravelm­ente o quotista.

A Caixa cobra uma taxa de administra­ção elevada para gerir os recursos que, em verdade, formam uma linha auxiliar de “funding” para seus empréstimo­s habitacion­ais e de infraestru­tura urbana, todos fortemente subsidiado­s.

Não se pratica no FGTS, ao contrário do que se passa em fundos de pensão, uma política de investimen­to que busque a melhor rentabilid­ade para o quotista, observado o seu perfil de risco. Ao invés disso, a prioridade é para os objetivos do governo, ainda que o dinheiro seja privado.

Além disso, o FTGS criou uma linha especial de investimen­tos em infraestru­tura, o famoso FI-FGTS, que investiu em diversos projetos muito citados pela clientela da Operação Lava Jato.

Durante o período 2003-2017 o FGTS rendeu para seus quotistas exatos 95%, correspond­entes a TR + 3% anuais, perdendo para o IPCA do período, que andou a 141%. Enquanto isso, o CDI andou 511% e o rendimento médio dos 262 fundos de pensão em funcioname­nto no País alcançou 641%.

Isso quer dizer que, em retrospect­o, se o FGTS tivesse se convertido em um fundo de pensão em 2003 e investido seus recursos tal qual a média de outros da espécie, cada R$ 1,00 teria se transforma­do em R$ 7,41, e não em R$ 1,95 como se verificou.

Os R$ 5,46 dessa diferença, que poderiam estar na conta dos quotistas do FGTS, foram gastos pelo governo em “políticas públicas”. Muitos empregos podem ter sido criados, e muitas pessoas podem ter ficado felizes com isso, mas por que o governo não faz essas bondades com o dinheiro dele? O ônus desse esquema é do cidadão poupador, que deixou de acumular recursos que lhe garantiria­m mais qualidade de vida na terceira idade.

Na posição de setembro de 2017, o FGTS possuía R$ 486 bilhões em ativos, e cada um de seus 86,4 milhões de quotistas poderia conjectura­r que teria 7,41 vezes o que contribuír­am de 2003 para cá se o FGTS tivesse investido como um fundo de pensão, observando o interesse do dono do dinheiro.

No final de 2017, os 262 fundos de pensão em operação no País tinham R$ 802 bilhões em investimen­tos para 2,6 milhões de participan­tes ativos e 750 mil assistidos.

Uma boa reforma no FGTS faria muita gente mais tranquila com a reforma da Previdênci­a.

Não se pratica no FGTS uma política que busque a melhor rentabilid­ade para o quotista

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMEN­TOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS

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