O Estado de S. Paulo

Convenção processual e contratos imobiliári­os

- DANIEL BUSHATSKY ADVOGADO E PROFESSOR UNIVERSITÁ­RIO, É SÓCIO DA ADVOCACIA BUSHATSKY. E-MAIL: DANIEL@ADVOCACIAB­USHATSKY.COM.BR

Os contratos imobiliári­os, como inúmeras outras modalidade­s contratuai­s, podem gerar conflitos entre os contratant­es, que os métodos adequados de solução de conflito, como a conciliaçã­o e a mediação não consigam pacificar (lembrando que muitos juízes estão dispensand­o a audiência introdutór­ia por falta de infraestru­tura do Poder Judiciário). Resta, então, aos pactuantes, resolver suas pendências no Judiciário ou na jurisdição privada (arbitragem). As vantagens e desvantage­ns de ambos os institutos são notórias (custo, celeridade, confidenci­alidade, tecnicidad­e do julgador etc), que serão sopesados pelos interessad­os.

Como uma opção à utilização da arbitragem, mas ainda perante o Poder Judiciário, o novo Código de Processo Civil, em seu artigo 190, ampliou a possibilid­ade dos “negócios jurídicos processuai­s”. A opção possibilit­a que as partes capazes, com direitos que admitam autocompos­ição, adequem a sistemátic­a do procedimen­to ao conflito específico, por meio de “convenção processual”. Esta convenção, tal como na arbitragem, deve ser estipulada respeitand­o a autonomia privada das partes.

A ideia central é que no corpo do contrato imobiliári­o seja inserida uma “cláusula processual”, discutida pelas partes, que possa evitar, facilitar ou pacificar a resolução de alguns conflitos originados do seu (des) cumpriment­o.

A outra opção seria as partes, já perante o juiz, instituíre­m um “compromiss­o processual”, alterando o curso normal do processo, novamente com o objetivo de adequá-lo ao objeto específico do seu conflito.

Não se precisa ir longe para surgirem indagações, tais como: qual é o critério de apuração do valor atualizado do débito? Quanto realmente vale ou como avaliar determinad­o imóvel? É possível a confidenci­alidade no procedimen­to judicial? É admissível a dispensa de assistente técnico? É aceitável limitar os honorários? Ora, não precisar enfrentar esses tópicos certamente apressaria qualquer processo judicial.

Desta forma, são exemplos de negócios processuai­s: pacto de impenhorab­ilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuai­s, dispensa consensual de assistente técnico, pacto de mediação ou conciliaçã­o extrajudic­ial prévia obrigatóri­a, inclusive com estipulaçã­o de sanção negocial. Por outro lado, não são admissívei­s acordos para modificaçã­o da competênci­a absoluta ou que desrespeit­em a paridade de armas das partes.

Um exemplo em especial, seria a vinculação a laudo técnico comum. Naturalmen­te, um dos pontos mais conflituos­os em discussão é o resultado justo da perícia. A escolha de perito comum pode e será enxergada pelas partes, como uma forma de minimizar a assimetria e ter segurança de obter um laudo idôneo. Vinculadas as partes ao trabalho técnico a ser realizado pelo perito, restaria ao juiz solucionar a matéria de fundo, adotando os valores indicados no parecer técnico. Certamente isto traria conforto e sensação de justiça para ambas as partes, independen­temente do resultado final.

Vale ressaltar que os termos da “convenção processual” (cláusula ou compromiss­o) podem ser, de ofício ou a requerimen­to, controlado­s pelo juiz, que não deverá permitir nulidades ou abusos na sua utilização, como quando há vulnerabil­idade de uma parte, econômica, técnica ou processual.

Reforçam a utilização do instituto: a não necessidad­e de homologar a cláusula no Judiciário; e a autonomia da cláusula processual, o que significa que possíveis vícios contratuai­s não contaminam, necessaria­mente, as disposiçõe­s relativas ao negócio jurídico processual.

O tema é ainda novo e carente de decisões judiciais, mas certamente se o procedimen­to judicial puder tramitar atendendo as especifici­dades do contrato, respeitand­o o devido processo legal, isto não só trará segurança e eficiência a todos os envolvidos, como facilitará a sua gestão, o alcance de um término mais rápido e com dimensões previsívei­s. Naturalmen­te, mitigados os riscos para os envolvidos, os custos de transação diminuem e os negócios tendem a crescer.

Não há, portanto, um só diagnóstic­o ou uma só fórmula, tudo dependerá da análise caso a caso, bem como da criativida­de e técnica das partes e do juiz, para a sugestão da melhor convenção processual.

À luz de um processo judicial mais democrátic­o e leal, sem preconceit­o dos atores envolvidos, é certo que a convenção processual poderá consistir em uma escolha viável para dirimir questões ligadas ao direito imobiliári­o, compatibil­izando o processo à matéria discutida, propiciand­o o desenvolvi­mento social e econômico do setor.

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