Convenção processual e contratos imobiliários
Os contratos imobiliários, como inúmeras outras modalidades contratuais, podem gerar conflitos entre os contratantes, que os métodos adequados de solução de conflito, como a conciliação e a mediação não consigam pacificar (lembrando que muitos juízes estão dispensando a audiência introdutória por falta de infraestrutura do Poder Judiciário). Resta, então, aos pactuantes, resolver suas pendências no Judiciário ou na jurisdição privada (arbitragem). As vantagens e desvantagens de ambos os institutos são notórias (custo, celeridade, confidencialidade, tecnicidade do julgador etc), que serão sopesados pelos interessados.
Como uma opção à utilização da arbitragem, mas ainda perante o Poder Judiciário, o novo Código de Processo Civil, em seu artigo 190, ampliou a possibilidade dos “negócios jurídicos processuais”. A opção possibilita que as partes capazes, com direitos que admitam autocomposição, adequem a sistemática do procedimento ao conflito específico, por meio de “convenção processual”. Esta convenção, tal como na arbitragem, deve ser estipulada respeitando a autonomia privada das partes.
A ideia central é que no corpo do contrato imobiliário seja inserida uma “cláusula processual”, discutida pelas partes, que possa evitar, facilitar ou pacificar a resolução de alguns conflitos originados do seu (des) cumprimento.
A outra opção seria as partes, já perante o juiz, instituírem um “compromisso processual”, alterando o curso normal do processo, novamente com o objetivo de adequá-lo ao objeto específico do seu conflito.
Não se precisa ir longe para surgirem indagações, tais como: qual é o critério de apuração do valor atualizado do débito? Quanto realmente vale ou como avaliar determinado imóvel? É possível a confidencialidade no procedimento judicial? É admissível a dispensa de assistente técnico? É aceitável limitar os honorários? Ora, não precisar enfrentar esses tópicos certamente apressaria qualquer processo judicial.
Desta forma, são exemplos de negócios processuais: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com estipulação de sanção negocial. Por outro lado, não são admissíveis acordos para modificação da competência absoluta ou que desrespeitem a paridade de armas das partes.
Um exemplo em especial, seria a vinculação a laudo técnico comum. Naturalmente, um dos pontos mais conflituosos em discussão é o resultado justo da perícia. A escolha de perito comum pode e será enxergada pelas partes, como uma forma de minimizar a assimetria e ter segurança de obter um laudo idôneo. Vinculadas as partes ao trabalho técnico a ser realizado pelo perito, restaria ao juiz solucionar a matéria de fundo, adotando os valores indicados no parecer técnico. Certamente isto traria conforto e sensação de justiça para ambas as partes, independentemente do resultado final.
Vale ressaltar que os termos da “convenção processual” (cláusula ou compromisso) podem ser, de ofício ou a requerimento, controlados pelo juiz, que não deverá permitir nulidades ou abusos na sua utilização, como quando há vulnerabilidade de uma parte, econômica, técnica ou processual.
Reforçam a utilização do instituto: a não necessidade de homologar a cláusula no Judiciário; e a autonomia da cláusula processual, o que significa que possíveis vícios contratuais não contaminam, necessariamente, as disposições relativas ao negócio jurídico processual.
O tema é ainda novo e carente de decisões judiciais, mas certamente se o procedimento judicial puder tramitar atendendo as especificidades do contrato, respeitando o devido processo legal, isto não só trará segurança e eficiência a todos os envolvidos, como facilitará a sua gestão, o alcance de um término mais rápido e com dimensões previsíveis. Naturalmente, mitigados os riscos para os envolvidos, os custos de transação diminuem e os negócios tendem a crescer.
Não há, portanto, um só diagnóstico ou uma só fórmula, tudo dependerá da análise caso a caso, bem como da criatividade e técnica das partes e do juiz, para a sugestão da melhor convenção processual.
À luz de um processo judicial mais democrático e leal, sem preconceito dos atores envolvidos, é certo que a convenção processual poderá consistir em uma escolha viável para dirimir questões ligadas ao direito imobiliário, compatibilizando o processo à matéria discutida, propiciando o desenvolvimento social e econômico do setor.